A fome insaciável da Receita

A chegada de 15,1 milhões de pessoas às classes A e B até 2014 deve duplicar o número de contribuintes que recolhem o Imposto de Renda. A arrecadação do governo com tributos terá um aumento expressivo


O Brasil deve receber, em quatro anos, 15,1 milhões de novos contribuintes. O número representa a maior evolução no quadro de declarantes do Imposto de Renda da Pessoa Física (IRPF) dos últimos dez anos. Também deixa antever um aumento expressivo da arrecadação, embora com um peso menor para cada indivíduo proporcionalmente. Hoje, o recolhimento é feito por menos de um quinto da população e a carga tributária já se aproxima de 35% do Produto Interno Bruto (PIB), a soma das riquezas geradas no país. Até 2014, o número de pessoas que de fato pagam o imposto deve dobrar, levando-se em conta apenas os trabalhadores que serão incorporados às classes A e B no período, o topo da pirâmide social.


Os números foram obtidos por meio de cruzamento de projeções feitas pelo Centro de Políticas Sociais (CPS) da Fundação Getulio Vargas (FGV) para os próximos quatro anos e de informações fornecidas pela Receita Federal. O levantamento levou em consideração os 25,01 milhões de declarantes do IRPF em 2009. Desses, apenas 14,5 milhões tiveram imposto a pagar ou a restituir, o equivalente a pouco mais de 60% do total. Em 2014, caso seja mantida a evolução esperada de indicadores de renda e de redução de desigualdade, esse cenário passará por uma mudança radical.


A começar pelo contingente que atualmente integra a classe C, com renda familiar mensal entre R$ 1.115 e R$ 4.808. Hoje, 91,7 milhões de brasileiros estão nessa condição, o equivalente a 49,2% da população. Em quatro anos, serão 112,7 milhões (56,48% dos habitantes), num acréscimo de 21 milhões de pessoas, que passarão a pagar o IRPF dependendo da evolução da tabela do imposto. Será o segundo maior crescimento proporcional no período. O primeiro será visto nas camadas mais altas da sociedade, cujos ganhos familiares estão acima de R$ 4.808. Até 2014, cerca de 15,1 milhões de trabalhadores serão alçados à classe AB, fazendo com que a participação desse grupo na sociedade salte de 10,4% para 15,6%.


Emprego formal


O aumento nos três estratos superiores da sociedade soma 36,1 milhões de pessoas. Essas faixas concentram a imensa maioria de trabalhadores formalizados do país. “Como 68% dos empregados com carteira assinada no Brasil pertencem à classe C e 13,3%, à classe AB, podemos dizer que haverá um incremento forte do emprego formal no país nos próximos anos. Isso está associado, entre outras coisas, ao aumento da escolaridade e da renda e à diminuição da desigualdade. Os três apontam na direção de mais arrecadação tributária, sobretudo do Imposto de Renda da Pessoa Física”, afirma o economista Marcelo Neri, da FGV.


Para o economista-chefe da LCA Consultores, Bráulio Borges, o aumento da formalidade no mercado de trabalho será a âncora de sustentação desse quadro. “Hoje, a carga tributária é alta porque apenas 50% dos trabalhadores do país possuem carteira assinada. Entretanto, tudo indica que isso deve mudar nos próximos anos. Haverá mais gente declarando imposto, o que vai ajudar a melhorar muitos indicadores sociais que hoje são uma bomba-relógio”, assinala.


Um deles é o deficit da Previdência Social. Em 2006, o saldo negativo nas contas do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) correspondia a 1,8% do PIB. Mantido o ritmo de evolução do emprego, calcula Borges, esse rombo cairia para 1,3% do PIB em 2014. Em valores nominais, isso significa uma economia de R$ 5 bilhões para o governo, segundo projeções da LCA. Outros indicadores com evolução positiva seriam o volume de crédito, que saltaria dos atuais 45% do PIB para 58%, e a taxa de desemprego.


O número de desempregados vinha caindo constantemente nos últimos anos até a explosão da crise internacional. Em 2009, em meio à recessão que abalou o Brasil e o mundo, a taxa bateu em 8,1%. Neste ano, deve cair para 7,7%, mantendo a trajetória de queda até 2014, quando deve atingir 7,3% da população economicamente ativa, o menor nível na história do país.


Tributação continua injusta


Ainda que o número de pessoas que pagam o Imposto de Renda da Pessoa Física (IRPF) dobre e o peso no bolso de cada um diminua proporcionalmente, a desigualdade tributária no Brasil não deve mudar muito. “A finalidade do imposto era fazer justiça social, tirando de quem tem mais e salvaguardando quem tem menos. Mas não é bem isso o que acontece. Hoje, quem ganha um pouco mais de R$ 3 mil no mês está submetido à mesma alíquota de 27,5% de quem recebe R$ 30 mil”, critica a presidente do Centro de Estudos Avançados de Direito Tributário (CEAT), Mary Elbe Queiroz.


A advogada tributarista propõe uma revisão do limite de isenção do IRPF, que hoje é de R$ 1.499,15 mensais. Ela defende que esse teto siga o parâmetro de renda mínima definido pelo Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), que é de R$ 2.159 para uma família de até quatro pessoas (pai, mãe e dois filhos). O também advogado tributarista Ilan Gorin tem tese semelhante. Para ele, uma forma de tornar o imposto mais justo seria permitir a dedução integral de despesas com mensalidades escolares, por exemplo. “Hoje, as deduções permitidas correspondem apenas a 20% do que se gasta efetivamente”, observa.


O diretor de Estudos Técnicos do Sindicato Nacional dos Auditores-Fiscais da Receita Federal (Sindfisco), Luiz Antônio Benedito, ressalta a defasagem na correção das faixas que servem de base para a tributação. “Quando se mantém uma tabela de IRPF sem correção por muitos anos, como ocorreu no Brasil, é normal que cada vez mais pessoas paguem imposto. Mas isso não quer dizer que a tributação será de melhor qualidade. Hoje, quem ganha dois salários mínimos paga o equivalente a 40% de imposto efetivo, enquanto quem recebe acima de 30 mínimos recolhe em torno de 26%”, revela. 

Fonte: Correio Braziliense

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