A inserção do Brasil em um mundo globalizado

Não se pretende aqui discorrer a respeito do conceito de globalização ou sobre os benefícios e dos malefícios da tendência inexorável. O objetivo aqui, muito mais singelo, restringe-se à demonstração de uma importante alteração na legislação tributária pátria e dos efeitos advindos de tal alteração no campo da tributação internacional.


Desejo, antes de explicitar a precitada importante inovação na legislação tributária pátria, apresentar uma sucinta delimitação do presente objeto de estudo a fim de facilitar a compreensão da questão jurídica a seguir exposta.


É crível identificar ao menos três situações hipotéticas envolvendo a tormentosa questão da relação do direito tributário internacional em face do direito tributário interno brasileiro, quais sejam: a existência de uma convenção internacional cujos enunciados prescritivos sejam opostos aos enunciados prescritivos derivados de uma lei ordinária – independente de tal lei ordinária ter sido promulgada antes ou após a entrada da convenção internacional no ordenamento jurídico pátrio – ou a existência de convenção internacional cujos enunciados prescritivos venham a disciplinar matéria reservada à lei complementar diversa da regulamentação de tal matéria realizada por uma lei complementar. Há a ainda a possibilidade de existência de uma convenção internacional cujos enunciados prescritivos sejam contrários a certos e específicos ditames constitucionais.


Afastada a análise das situações hipotéticas identificadas na primeira situação citada e na última – até porque tais situações confluem, em regra, para a preponderância, por razões distintas, do direito interno em detrimento das convenções internacionais – intenta-se doravante demonstrar, em função da já aludida importante inovação na legislação tributária brasileira, a prevalência dos enunciados convencionais em face de enunciados prescritivos derivados de uma lei ordinária independentemente da questão cronológica.


Tal demonstração é tanto mais fundamental quando se constata a existência, no âmbito da jurisprudência pátria, de decisórios contrários à precitada prevalência, conforme se verifica do julgado a seguir parcialmente transcrito: “Tributário … prevalência da lei interna posterior sobre o tratado … V. Os tratados internacionais, uma vez incorporados ao sistema jurídico interno, situam-se no mesmo plano das leis ordinárias. Lei interna posterior pode prevalecer sobre norma de tratado internacional desde que possua a mesma ou superior hierarquia …” (REO nº 453575. Terceira Turma do Egrégio TRF da 5ª Região. Rel. Des. Fed. Frederico Pinto de Azevedo. Data da decisão: 16/10/08. Data da publicação: 03/12/08).


Retornando ao objetivo principal do presente estudo, foi publicado no Diário Oficial da União de 15 de dezembro de 2009 o Decreto nº 7.030, o qual “promulga a Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados, concluída em 23 de maio de 1969, com reserva aos artigos 25 e 66”.


O ingresso da Convenção de Viena no ordenamento jurídico pátrio é essencial para corroborar a prevalência dos enunciados prescritivos derivados das convenções internacionais em relação aos enunciados prescritivos derivados de leis ordinárias independentemente da questão cronológica, na medida em que apresenta novos argumentos jurídicos a sustentar tal prevalência.


Em adição ao arcabouço normativo já utilizado para explicitar a indigitada prevalência ( notadamente o parágrafo único º do artigo 5º da Constituição Federal de 1988 c/c o artigo 98 do CTN), é de rigor enfatizar que o Decreto nº 7.030, de 2009 apresenta os seguintes novos argumentos jurídicos: i. reconhecimento, em sua parte preliminar e no artigo 26, do princípio da boa-fé; ii. reconhecimento, em sua parte preliminar e no artigo 26, do princípio “pacta sunt servanda”; e iii. reconhecimento, no artigo 27, da proibição ao descumprimento de um tratado em razão da existência de eventual direito interno divergente.


Em definitiva, é defensável asseverar a respeito da existência de uma nova normativa (o Decreto nº7.030/09) que ampara a conclusão pela prevalência – no âmbito do direito interno brasileiro – dos tratados internacionais frente a eventuais enunciados prescritivos divergentes derivados de leis ordinárias, com a consequente possibilidade de modificação do entendimento jurisprudencial dantes aludido; “prevalência” esta ainda mais inquestionável em relação aos tratados concluídos após a vigência do decreto nº 7.030 de 2009 (tratados concluídos pelo Brasil a partir de dezembro de 2009), a teor do que prescreve o respectivo artigo 4º


Marcelo Fróes Del Fiorentino 

Fonte: Valor Econômico

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