Acidentes em empresas viram alvo de ação do INSS

Órgão quer reembolso de gasto com ocorrências causadas por negligência

Empresas de todos os portes que não seguem normas de segurança notrabalho são cada vez mais alvos de ações do INSS (Instituto Nacional doSeguroSocial)que exigem reembolso dos gastos públicos com acidentes.

Com as chamadas ações regressivas acidentárias, o INSS busca reaver na Justiça gastos com pensões por morte, afastamentos e aposentadorias por invalidez causados por acidentes de trabalho que, segundo o órgão, tenham sido ocasionadas pelo não seguimento de normas de segurança pela empresa.

Contagem feita pela AGU (Advocacia Geral daUnião) a pedido da Folha mostra aumento significativo no número de tais processos.

De janeiro a outubro de 2010, a AGU ajuizou 380 ações desse tipo, com as quaisprevê reembolsar R$ 50 milhões aos cofres públicos.

Desde a regulamentação da lei que instituiu a cobrança -em 1991- até 2007, foram movidos 465 processos.

Em 2008 e 2009 foram ajuizadas mais 636 ações.

Uma delas teve como alvo a JR Diesel, de peças para caminhões. Em 2003, um funcionário morreu após sofrer queda em suas instalações.

Em 2007, o INSS entrou com ação para a empresa arcar com a pensão dos filhos desse trabalhador até que completem 18 anos, em 2020.

O valor é superior a R$ 200 mil. Para a advogada da JR Diesel, Elaine Rufino, o processo deveria ser considerado inconstitucional, uma vez que a empresa, segundo ela, já recolhe encargos para a Previdência Social.

As ações, completa o diretor Arthur Rufino, partemdo princípio de que todos os acidentes são causados por negligência das empresas.

O INSS afirma que os gastos são maiores do que os encargos pagos.

Pequena e média têm mais risco

Em São Paulo, empresas têm recorrido das decisões que exigem o ressarcimento do INSS

É nas pequenas e nas médias empresas que os acidentes ocorrem com maior frequência, segundo técnicos e engenheiros de segurança do trabalho ouvidos pela Folha.

As grandes corporações, justificam, investem mais em prevenção de acidentes e têm de contratar profissionais para orientar os funcionários sobre uso de equipamentos e operações de risco.

Embora não haja dados por porte de organização, especialistas confirmam que a maioria das empresas que respondem a processos para ressarcir os gastos do INSS são de até médio porte.

Fernando Maciel, chefe da Divisão de Gerenciamento das Ações Regressivas Acidentárias e Execução Fiscal Trabalhista da AGU -que responde pelo INSS sobre o assunto-, afirma que 90% das ações têm sido julgadas procedentes na Justiça.

No Estado de São Paulo, contudo, em boa parte dos casos ainda cabe recurso.

Uma das empresas que recorrem da decisão é a distribuidora de vidros e ferragens Torrezan. Em 2009, um funcionário carregava uma lâmina de vidro que quebrou e cortou sua mão.

Um tendão foi rompido, o que levou o funcionário a entrar em licença médica.

Em agosto de 2010, o INSS entrou com processo contra a Torrezan, exigindo que a empresa pagasse as despesas assumidas pelo órgão com o afastamento do funcionário que ainda está licenciado.

FALTA DE NORMAS

A empresa se defende afirmando que não há normas técnicas de segurança sobre armazenamento e transporte de vidro e que, por essa razão, não pode ser considerada culpada pelo ocorrido. A Abravidros (associação de distribuidores de vidros) confirma que não há regras para o manuseio do material.

Para o sócio Antônio Carlos Setem, a empresa faz uso de todos os equipamentos de segurança. “[Isso] nunca é suficiente, pois, dependendo do acidente, não há equipamento que dê jeito”, diz.

O advogado da Torrezan, Denis Marcelo Camargo Gomes, reitera que a empresa não é culpada, uma vez que não há regras. Ele afirma que “a relação do INSS como funcionário é de segurador, que assume o risco de indenizar o segurado caso esse risco [de acidente] se concretize”.

CONCILIAÇÃO

PORTARIA DA AGU DEVE SAIR NESTA SEMANA

Nesta semana, a AGU deve editar uma portaria para disciplinar acordos entre INSS e empresas que, segundo o órgão, tenham sido negligentes. A portaria abrangerá normas de segurança a serem observadas no processo e servirá, segundo a AGU, como base de referência para acordos.

Ações contra empresas viraram prioritárias nos últimos anos

Em outubro de 2010 (dado mais recente disponível), o INSS pagou R$ 30 milhões em benefícios acidentários. No mesmo mês de 2009, o gasto foi de R$ 22 milhões.

Para a AGU, porém, o número de acidentes ocorridos no local trabalho diminuiu.

De acordo com o procurador federal Fernando Maciel, isso, em parte, é fruto das ações regressivas do INSS.

O aumento do número desses processos nos últimos três anos deve-se ao fato de que “a AGU tem dado prioridade a esse tipo de ação”, justifica o procurador.

Maciel diz que o objetivo das ações regressivas é educar e disciplinar os empresários, além de fazer voltar aos cofres públicos o dinheiro gasto pelo não cumprimento das regras desegurança.

Fiscalização aponta 112 mil falhas

Há mais de uma irregularidade para cada ação fiscal de segurança e saúde

De janeiro a agosto deste ano,o Ministério do Trabalho e Emprego realizou 98.410 ações fiscais de segurança e saúde no trabalho. Nelas, o ministério afirma ter regularizado 111.820 itens. Ou seja, mais de um problema foi identificado e corrigido a cada ação nas empresas.

A média de problemas encontrados (1,14) é a menor dos últimos quatro anos.Ainda assim, ela é uma prova de que há empresas que encontram dificuldades em seguir plenamente as 34 normas regulamentadoras de saúde e segurança do trabalho do Brasil,que têm força de lei.

O engenheiro de segurança do trabalho Nelson Ogassawara, da SEG Assessoria em Segurança e Medicina do Trabalho, explica que existem quatro graus de risco para classificar o trabalho em uma empresa.

Um dos problemas recorrentes, ressalta Ogassawara, são empresários que registram seus negócios com outra classificação, que apresente nível de risco menor, para pagar menos impostos.

ACORDO

Processada pelo INSS por não cumprir normas que resultaram no afastamento temporário de dois funcionários, a Papaiz Nordeste, empresa do grupo Papaiz, de cadeados e fechaduras, firmou acordo com o órgão.

A empresa diz não concordar coma ação,mas, ao analisar os custos que teria para recorrer judicialmente, percebeu que os gastos seriam menores ao pagar o valor cobrado, cercadeR$1.150.

“O INSS quer aplicar isso para que as empresas cubram o deficit [da Previdência]. Eles têm um deficit sistêmico e estão tentando superar isso por meio dessas ações”, critica o gerente do setor jurídico da Papaiz, José Eduardo Marmo.

O procurador Fernando Maciel afirma que os benefícios acidentários são também causadores do rombo do INSS. “Em 2009 foram recolhidos R$ 9 bilhões com o SAT [Seguro de Acidente do Trabalho]. No mesmo ano, o gasto com benefícios acidentários foi de R$ 12 bilhões. Só vamos cobrar de empresas que não estejam cumprindo normas de segurança e aumentando esse gasto”.

Primeiro passo para empresário é conhecer regras

Para prevenir acidentes de trabalho, a primeira providência a ser tomada é ficar ciente de todas as regras que devem ser seguidas por empresas de cada setor.

As 34 normas regulamentadoras vigentes podem ser consultadas no site www.mte.gov.br/legislacao/normas_regulamentadoras Entidades de classe também disponibilizam materiais que servem de base para consulta do empresário.

Uma alternativa é terceirizar o serviço de prevenção a acidentes, que pode ser efetuado por consultorias.

Marcos de Vasconcellos

Fonte: Folha de São Paulo

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