Adaptação das limitadas à Lei nº 10.406

Por Tania Lehmann Hernandez

Muitas discussões doutrinárias e textos publicados por estudiosos do direito em diversas mídias escritas tem como tema principal a necessidade de adaptação das então sociedades por quotas de responsabilidade limitada, atualmente sociedades limitadas, que tenham sido constituídas antes do advento da Lei nº 10.406, de 2002, o Código Civil, às suas regras e determinações. Não obstante a questão da constitucionalidade ou não do dispositivo do Código Civil que trata do tema, qual seja, o artigo 2.031, há que se ter em mente as consequências dessa não adaptação à prática do dia-a-dia do direito societário e, mais ainda, para as empresas que eventualmente decidam pela não adaptação.

O Código Civil, ao introduzir mudanças importantes na regulamentação a que estão sujeitas as sociedades limitadas – notadamente aquelas relacionadas ao poder dos sócios de exercer o controle sobre as deliberações sociais que, em sua grande maioria, são responsáveis por ditar os rumos da empresa -, cuidou para que essas empresas fossem obrigadas, por imposição legal, a se adaptar às novas regras trazidas.

Tanto assim fez o legislador que essa obrigatoriedade de adaptação às regras da Lei nº 10.406 está inserida não somente nas disposições do artigo 2.031 do Código Civil, que impôs que as “associações, sociedades e fundações, constituídas na forma das leis anteriores, bem como os empresários”, obrigatoriamente tenham feito essa adaptação até 11 de janeiro de 2007, mas também nas determinações do próprio Departamento Nacional do Registro do Comércio (DNRC).

Nesse sentido, o Manual para Registro de Sociedades Limitadas do DNRC não permite, por meio de suas inúmeras disposições, que as sociedades que não estejam adaptadas obtenham registro na Junta Comercial de suas alterações de contrato social, no que se incluem desde as modificações mais simples, como mudança de endereço da sede, até as mais complexas, como aquelas relativas à transformação de tipo societário. A regra é clara: toda e qualquer alteração contratual deverá ser precedida da adaptação da sociedade aos termos do Código Civil vigente desde 2002.

Além do inconveniente relativo ao impedimento de registro de atos societários, o que poderá, em certas ocasiões, inviabilizar a realização de parte das atividades sociais, há a questão relativa às consequências decorrentes dessa não adaptação. Parte significativa da doutrina pátria considera que caso não ocorra dita adaptação, as sociedades passam a ser consideradas em “situação irregular”, o que acarreta a responsabilidade pessoal e ilimitada dos administradores – e, muitas vezes, até dos sócios – em razão de infração ao artigo 2.031 do Código Civil

Ainda que não se possa negar a existência de corrente doutrinária em sentido contrário, as empresas, ao optarem por não se adaptar às determinações da Lei nº 10.406, correm o sério risco de serem consideradas irregulares, sujeitando-se a responsabilização pessoal e ilimitada dos sócios e administradores pelas obrigações sociais. Assim, na medida em que existem posicionamentos doutrinários e decisões judiciais nesse sentido, esse risco deve ser levado em consideração pelo empresário ao optar pela não adaptação.

Ademais, compartilho da opinião de que a intenção do legislador ao impor essa adaptação aos ditames legais do Código Civil tem um fundamento bastante importante e que vai além da simples adequação às novas regras. O que se pretende com essa imposição, em realidade, é o alcance do resultado esperado com o advento de toda nova lei: adaptação não somente da nossa legislação pátria, mas também do nosso contexto jurídico – no qual se inserem as empresas -, às aspirações de uma esfera contemporânea e globalizada a que estão sujeitas atualmente as atividades empresariais do nosso país.

Cabe ao empresário colocar em foco na hora da tomada de decisão se o melhor caminho é a não adaptação de seu contrato social almejando, dessa forma, permanecer sujeito às antigas regras de direito societário vigentes antes do Código Civil de 2002, sujeitando-se, como consequência, a interpretações doutrinárias e jurisprudenciais que consideram sua empresa como irregular, ou se a melhor decisão é a adaptação de suas necessidades às novas regras vigentes. Entretanto, o empresário sempre poderá se utilizar de outros instrumentos jurídicos disponíveis em nosso ordenamento para fazer valer os seus interesses, a exemplo da negociação com seus sócios de cláusulas contratuais benéficas e mais adequadas à necessidade de cada situação e da celebração de acordos de quotistas.

Tania Lehmann Hernandez é sócia da área de direito societário do escritório Fernandes, Figueiredo Advogados, especialista em direito empresarial e mestre em direito comercial pela PUC-SP

Fonte: Valor Econômico

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