Auditoria em conflito

Por Fernando Torres | De São Paulo

As áreas de consultoria têm um peso cada vez maior na receita das firmas que nasceram focadas em auditoria, como PricewaterhouseCoopers, Deloitte, Ernst & Young e KPMG.

Se há poucos anos a checagem dos balanços ainda representava metade do faturamento das quatro grandes do setor, os dados recentes indicam que esse percentual já recuou para 45,7% no último ano fiscal, ante 47,1% no exercício anterior, e pode cair ainda mais no futuro próximo.

No ano fiscal de 2011, cujo encerramento varia para cada uma delas, a receita de consultoria cresceu de 15% a 20%, enquanto a de auditoria avançou apenas 5%.

A preocupação com o impacto que isso pode ter em termos de conflito de interesse levou reguladores da União Europeia a estudar a separação completa da área de consultoria.

Se medida semelhante fosse adotada no Brasil, o impacto seria igualmente relevante. O Valor questionou as firmas locais sobre o tema, mas somente a Deloitte informou com precisão que a área de consultoria representa hoje 60% da receita obtida no Brasil. A KPMG enviou os dados mundiais, em que a auditoria tem peso de 48%, e informou que a divisão é parecida aqui no país. PwC e EY não abriram essa informação.
Mas é possível dizer com segurança, a partir de informações obtidas com profissionais do setor, que as divisões de consultoria já representam de 50% a 60% da receita das empresas no Brasil.

As empresas foram questionadas também sobre o peso da receita de “outros serviços” contratados por clientes de auditoria, mas nenhuma das quatro quis abrir essa informação.

Levantamento feito pelo Valor com as 200 maiores companhias abertas do país por valor de mercado mostra que 93 contrataram seus próprios auditores para prestar outros serviços em 2010. Sete delas gastaram mais com esses os contratos extras do que com o trabalho de auditoria propriamente dito e em 23 casos (incluindo as sete) a relação entre o pagamento pelos serviços adicionais e a despesa com auditoria foi igual ou maior do que 50%.

Na primeira vez que esse estudo foi feito, com base nas informações referentes a 2009, os números foram parecidos. Um total de 102 empresas contratou serviços adicionais do auditor, 18 pagaram por esse trabalho mais de 50% do custo da auditoria e em 10 casos o valor de outros serviços superou o pagamento pela checagem do balanço.

Na média, os “outros serviços” representaram cerca de 15% do gasto com auditoria nos dois anos pesquisados.

Segundo as firmas do setor, é importante fazer uma distinção entre os trabalhos realizados. “Em raríssimas situações prestamos consultoria para clientes de auditoria”, afirma Maurício Pires, sócio da Deloitte, acrescentando que há uma série de regras profissionais que limitam a execução de trabalhos nesses casos.

Por outro lado, destaca ele, existem diversos serviços que não são aquele padrão, de atestar os números do balanço anual, mas que “estão totalmente no guarda-chuva de auditoria”.

Entre esses ele cita aqueles prestados em processos que envolvem a emissão de cartas de conforto sobre informações de prospectos das ofertas públicas de ações ou títulos de dívida.

Outros que também são considerados por Pires como relacionados a auditoria são os trabalhos de diligência contábil de empresas alvo em operações de aquisição, revisão de declarações sobre recolhimento de tributos e avaliação dos sistemas de controle interno das companhias.

O que é proibido, repetem os especialistas, é auditar o próprio trabalho ou representar o cliente.

De acordo com Idésio Coelho, sócio de auditoria da Ernst & Young Terco, o que mais se faz como serviço extra é checar se os controles estão funcionando. “E isso só fortalece o trabalho de auditoria do balanço”, afirma.

Segundo presidente da EYT, Jorge Menegassi, a análise importante para se verificar a independência do auditor é se um único cliente tem peso muito relevante no faturamento total da firma. No caso da Ernst & Young, diz ele, nenhuma empresa representa mais de 2% da receita.

Para Henrique Luz, sócio da PwC, é compreensível que os reguladores queiram estabelecer limites para os trabalhos. “Mas não se pode partir do pressuposto de que o auditor é desonesto.”

Das sete empresas que pagaram mais por outros serviços do que pela auditoria, quatro responderam ao Valor. Com contratos extras equivalentes a quase três vezes o de auditoria, a petroleira HRT enviou nota dizendo que a maior parte do gasto extra está relacionado ao processo de abertura de capital. Foram R$ 162 mil pela auditoria simples e mais R$ 330 mil para a oferta pública inicial de ações, além de outros dois serviços.

A Lopes Brasil, em que a relação foi de 2,3 vezes, afirmou, por meio da assessoria, que o gasto extra está concentrado principalmente em processos de diligência contábil nas diversas aquisições feitas pela empresa em 2010, além de emissão de carta conforto para oferta de ações.

Laurence Beltrão Gomes, diretor de finanças e relações com investidores da WEG, disse que os serviços contratados – revisão de acessos para o sistema de gestão, diligência para aquisição, tradução de documentos e pesquisa sobre tributação no setor de energia eólica – são bastante específicos e por isso a empresa considera que eles não geram conflitos. O gasto extra foi equivalente ao de auditoria.

A BR Properties, em que a relação de gastos foi de um para um, informou que o serviço extra mais relevante está ligado à abertura de capital da empresa e ao lançamento de bônus perpétuo. “Uma segunda auditoria não ia aceitar validar os números do primeiro”, diz Pedro Daltro, diretor financeiro e de RI da companhia.

Amil, Cremer e Lojas Renner, que completam o grupo de sete empresas, não responderam.

Fonte: Valor Econômico

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