Cadastro de crédito da Serasa é ilegal e gera dano moral

Independentemente de comprovação de existência de danos, o simples fato de uma pessoas estar inscrita no cadastro da Serasa que mostra o risco de crédito torna a conduta da empresa ilegal, uma vez que a pontuação se fundamenta no histórico e quantidade de inadimplência, na duração da inadimplência e no ingresso de ações judiciais.

“Em que pese o referido banco de dados se mostrar útil ao mercado, a ferramenta, contudo, da maneira como é implementada afronta a legislação consumerista”, afirma o juiz Emerson Luis Pereira Cajango, do 3ª Juizado Especial Cível de Cuiabá. Ele condenou a empresa a pagar R$ 10 mil a título de dano moral a uma consumidora que teve o financiamento da casa própria negado, por estar com o nome inserido indevidamente no cadastro da Serasa.

“O que se verifica na espécie é inobservância da proteção constitucional à privacidade e intimidade (artigo 5º, X da CF), à medida que divulga de maneira mascarada — por meio de pontos (score), dados referentes ao histórico de transações, inadimplência e número de ações propostas pelo consumidor”, diz o juiz em sua decisão.

De acordo com Cajango, embora a empresa não divulgue os arquivos de consumo da pessoa cadastrada, a informação essencial é veiculada da mesma forma, só que em forma de pontos. “Só o fato de estar inscrita em tal banco de dados, cuja visibilidade é nacional abrangendo as empresas que contrataram o serviço, com pontuação atribuída já implica na existência de danos”, complementa. Segundo Cajango, não é dificul concluir, “embora sem quaisquer dados e parâmetros”, que a atribuição de pontuação baixa leva à dedução de que não é conveniente contratar com as pessoas cadastradas.

Visão distorcida
Analisando o caso da consumidora, o juiz afirma também que a pontuação dada pela Serasa, na maioria das vezes, não reflete a realidade por apenas considerar os dados brutos. “Ou seja, por apenas contabilizar a quantidade de inadimplência, sem analisar se esta de fato é válida ou se foi declarada pelo judiciário inválida, interessando apenas sua existência”, explica.

Segundo o juiz, a consumidora teve seu nome inscrito em rol de inadimplente por falha de prestação do serviço de uma empresa e propôs ação visando o reconhecimento da inexistência do débito em razão de não ter contraído a dívida. “Observe que, neste caso, mesmo que o Judiciário declare a dívida e, consequentemente, os débitos e determine a exclusão do rol de inadimplência, de acordo com o banco de dados concentre scoring, o consumidor terá sua pontuação (score) reduzida em decorrência do fator inscrição em cadastro de inadimplentes e propositura de ação”, complementa o juiz.

Para Emerson Cajango, a a utilização de critério subjetivos para definir a pontuação atribuída deixa de oportunizar ao consumidor uma possível correção dos dados ali constantes. “Por todos os argumentos trazidos, não é crível que o banco de dados concentre scoring preserva algum indício de legalidade e, mais, pretenda a chancela do judiciário”, conclui.

Em agosto, a ConJur publicou uma série de reportagens [clique aqui, aqui, aqui e aqui para ler] mostrando diversas distorções encontradas no cadastro da Serasa. À época, segundo dados do cadastro, a renda presumida do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, que tem participação societária em duas empresas (FHC Consultoria Lectures e Goytacazes Participações) seria de R$ 1,2 mil — menos de dois salários mínimos, mesmo tendo ele sido professor, ministro, senador e presidente da República.

Os limites de créditos sugergidos pela empresa também mostram algumas disparidades. De acordo com dados consultados na Serasa, a recomendação de crédito à presidente Dilma Rouseff era de no máximo R$ 2,1 mil. Já para Renan Calheiros, presidente do Senado, o limite recomendado de crédito em agosto era de R$ 12,7 mil.

Prática ilegal
Em outra reportagem, a ConJur mostrou que diversos tribunais vêm decidindo contra a forma que a Serasa atua. Assim como entendeu o juiz Emerson Cajango, de Cuiabá, o Tribunal de Justiça de Santa Catarina tem decidido que só a inclusão de dados no sistema sem comunicar ao consumidor em questão é ilegal e que o cidadão merece ser indenizado por isso.

No TJ do Rio Grande do Sul já são várias as ações em que ficou decidido também que é necessária a aprovação do consumidor para que haja um cadastro a seu respeito. “É abusiva a prática comercial de utilizar dados negativos dos consumidores para lhes alcançar uma pontuação, de forma a verificar a probabilidade de inadimplemento. Sem dúvidas, este sistema não é um mero serviço ou ferramenta de apoio e proteção aos fornecedores, como quer fazer crer a demandada, mas uma forma de burlar direitos fundamentais, afrontando toda a sistemática protetiva do consumidor, que inegavelmente se sobrepõe à proteção do crédito”, diz decisão da desembargadora Marilene Bonzanini.

Fonte: Conjur

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