Contas de lucros acumulados e dividendos

Prática comum entre as sociedades anônimas, a conta usualmente denominada “lucros acumulados”, por anos foi a ferramenta utilizada para retenção de lucros pelas companhias.


Com o advento das leis 10.303, de 2001, e principalmente da 11.638, de 2007, esse panorama foi, porém, parcialmente modificado.


A lei nº 10.303, ao inserir o parágrafo 6º no artigo 202 da Lei das Sociedades Anônimas (doravante simplesmente LSA), determinou que “os lucros não destinados” conforme os parâmetros legais deverão ser necessariamente distribuídos como dividendos.


A lei nº 11.638, avançando ainda mais na matéria, modificou o artigo 178 da LSA para excluir do patrimônio líquido a menção aos “lucros acumulados”, gerando reflexos na destinação dos lucros das sociedades anônimas, e mesmo na das sociedades limitadas de grande porte, que pela lei estão obrigadas a adotar as disposições da LSA quanto à escrituração e elaboração de demonstrações financeiras.


Embora opinião dissonante em parcela da doutrina – nesse sentido, por exemplo, Modesto Carvalhosa, in Comentários à Lei de Sociedades Anônimas -, a verdade é que a legislação anterior previa sim a existência de tal conta, e era escorada na legislação, que um grande número de companhias distribuía aos seus acionistas somente o dividendo obrigatório, retendo o excesso na referida conta de lucros acumulados.


Com a modificação legislativa, alteração essa, aliás, que veio para consolidar aquilo que a CVM por anos defendeu (vide artigo 8º da Instrução Normativa nº 59, de 1986), as companhias passaram a ter de distribuir, sob a forma de dividendo, todo o lucro excedente às retenções legalmente previstas.


Contudo, uma análise acurada da legislação vigente revela que continuam existindo diferentes formas de se contornar essa suposta limitação legal. E isso, importante que se diga, se dá inclusive no interesse dos minoritários, já que uma distribuição integral do lucro do exercício geraria a descapitalização da própria companhia da qual eles são sócios.


Como alternativa, desde que se obedeçam aos parâmetros legais, as sociedades ainda podem criar, por exemplo, reservas de lucros em seus estatutos, ou mesmo elaborar orçamentos de capital para retenção de parte do lucro líquido.


Em relação à reserva de lucro estatutária, a destinação de uma parcela do lucro do exercício depende de que o estatuto determine expressamente sua finalidade, critérios que determinem a parcela anual a ser utilizada, e seu limite máximo.


Por outro lado, quanto aos orçamentos de capital, a LSA prevê que eles terão de ser anualmente revistos. Isso porque, havendo sobras orçamentárias, desapareceria o fundamento para retenção do lucro, passando a ser obrigatória a transferência de tais sobras para a conta de lucros acumulados e, até o fim do exercício financeiro, sua distribuição como dividendos, já que a supracitada conta somente poderá figurar em caráter transitório no patrimônio liquido das sociedades.


Além das configurações acima previstas, é importante que se traga à discussão, ainda, duas faculdades trazidas pela Lei nº 10.303.


A primeira, contida no parágrafo 2º do artigo 202 da LSA, permite às “companhias deliberar a distribuição de dividendo inferior ao obrigatório”, ou mesmo de “todo o lucro líquido”, desde que “não haja oposição de qualquer acionista presente” na assembleia.


E a segunda, contida no parágrafo seguinte do mesmo artigo, prevê a não obrigatoriedade da distribuição do dividendo obrigatório “no exercício social em que os órgãos da administração informarem à assembleia-geral ordinária ser ele incompatível com a situação financeira da companhia”.


Tudo isso a demonstrar, pois, que, embora seja inegável que a partir da vigência das Leis 10.303 e 11.638 não mais se poderá destinar legalmente os resultados do exercício para a conta de lucros acumulados por período além do término do exercício social, momento no qual essa conta deverá ser zerada, a verdade é que, diversas são, ainda, as ferramentas de que as companhias poderão dispor para evitar a distribuição da integralidade dos resultados do exercício. E isso, conforme pretendemos ter ressaltado, pode ser algo salutar inclusive para os próprios sócios minoritários.


Por Daniel Báril e André Silveiro são sócios do escritório Silveiro Advogados
 
Daniel Báril e André Silveiro

Fonte: Valor Econômico

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