Contratos de rateio de custos e despesas

Pretendemos tratar, no presente artigo, de um modelo jurídico-empresarial denominado contrato de rateio ou de compartilhamento de custos e despesas (adiante apenas ” contrato”), apresentando alguns aspectos relevantes que devem ser considerados sob a ótica do ordenamento jurídico brasileiro, e em face dos princípios constitucionais vigentes e de aspectos contratuais, estruturais e fiscais. Este modelo é internacionalmente conhecido por Cost Sharing (ou Funding) Agreements.

Com a expansão dos mercados e das possibilidades de negócios, seja na esfera regional dentro de um determinado país, seja dentro de um arranjo regional nos moldes do Mercosul ou União Européia, ou ainda, no caso de distintos países, as bases e plantas empresariais interligam-se e integram fluxos de pessoas, de capitais e de processos. Juntamente com essa expansão, segue a necessidade de orientações e de estruturação das atividades em respeito aos ordenamentos jurídicos envolvidos, mas também, em respeito à própria estrutura, seus custos, despesas e encargos relacionados.

Com a utilização deste modelo contratual, diversas empresas rateiam e compartilham custos e despesas, sejam relacionadas a serviços administrativos, sejam serviços relacionados a atividades, equipamentos e instalações de outras empresas de um mesmo grupo econômico-financeiro. Otimizam-se gastos, atividades, dedicações e tempo, dentre outros benefícios, para agregar maior eficiência à atividade empresarial desenvolvida. Desta forma, usualmente, sem prejuízo de outros possíveis, temos o rateio e/ou compartilhamento de estruturas físicas, tais como imóveis, depósitos e instalações em geral, mas também é possível ratear ou compartilhar custos e despesas com informática, serviços e infraestrutura de telefonia e comunicação, serviços de atendimento 0800, ou a portadores de deficiência auditiva e/ou de fala até compartilhamento de veículos, caminhões e aeronaves.

O modelo jurídico envolve, de forma estrutural, um contrato por meio do qual partes se relacionam, tendo uma empresa contratante na qualidade de líder ou principal, e as demais empresas contratantes vinculadas como efetivamente usufrutuárias do rateio e/ou compartilhamento. Não podemos atribuir ao modelo uma natureza jurídica de prestação de serviços pois em nada se assemelha ao instituto. A empresa principal ou líder não presta nenhum serviço às usufrutuárias. Igualmente ela não aluga nada. Também nada cede em comodato. O que existe é um compartilhamento estrutural, por meio do qual cria-se um pólo centralizador (eixo contratual) de direitos, obrigações e pagamentos, tendo as outras partes do contrato em comento a única obrigação de pagar o percentual estabelecido (que pode ser variável e/ou fixo). Em suma, a situação gerada pelo Contrato é de efetivo reembolso ou antecipação de despesas, dependendo, respectivamente, da natureza (“Cost Sharing” ou “Cost Funding Agreement”).

O contrato ganha maior relevância quando pela ótica tributária, servindo como base para a estruturação, lícita e viável, de trocas de fluxos financeiros entre empresas para custeio de despesas comuns, sem que tais trocas representem receita tributável da empresa líder ou principal. Com isto, é possível inibir (ou evitar) a ocorrência de bitributação sobre tais receitas ou, ainda, prevenir o surgimento de cadeias multifásicas de tributação que passem a representar aumento do desembolso financeiro do grupo de empresas, por força da adição de uma nova carga tributária sobre o valor dos custos rateados.

A própria Superintendência da Receita Federal recentemente reconheceu tal realidade, em sede de resposta a consulta fiscal específica acerca de contratos de rateio, afastando as respectivas receitas da incidência das contribuições ao PIS e Cofins, além da CSL e IRPJ. Outrossim, a questão relativa à tributação dos reembolsos de despesas foi previamente apreciada pela Receita Federal, ocasião na qual consolidou-se o entendimento acerca da não incidência de tributação sobre tais receitas, por não representarem nenhum ingresso novo de valores.

Para isso, porém, a relação jurídica havida entre as partes deve ser clara e real, além de possuir um fundamento contratual adequado, válido e legítimo, que deve ser cuidadosamente elaborado para evitar situações de risco ou possíveis autuações e questionamentos por parte do Poder Público. Do contrário, haverá sério risco de descaracterização do contrato de rateio ou de compartilhamento de custos e despesas e desqualificação das operações realizadas a partir deste, ensejando a cobrança de um extenso rol de tributos, além das multas, juros e demais encargos legalmente previstos.

Em suma, temos no contrato de rateio ou de compartilhamento de custos e despesas uma poderosa ferramenta de planejamento, mas que deve ser bem orientada e/ou utilizada, sob pena de causar um mal maior do que um efetivo benefício. Devem todos os termos e condições serem cotejados frente ao confronto da realidade espaço-temporal, considerando localidades, regiões ou países envolvidos e prazos e fluxo de sua utilização.

Luís Rodolfo Cruz e Creuz e Gabriel Hernan Facal Villarreal são sócios de Creuz e Villarreal Advogados

Fonte: Valor Econômico

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