Contribuinte paga por exageros das operações da PF

A União começou, enfim, a pagar a conta pelos erros ou excessos cometidos pela Polícia Federal em suas ações. Desde 2007, o governo federal foi condenado a pagar pelo menos R$ 1,6 milhão em indenizações por danos morais ou materiais a pessoas que foram presas por engano, ilegalmente ou que foram submetidas a exposição midiática excessiva pela atuação da Polícia Federal. As informações são do jornal Folha de S. Paulo, em reportagem assinada por Aguirre Talento.

A mesma Folha informa que nas dez mais escandalosas operações patrocinadas pelo governo, a PF e o Ministério Público Federal colocaram 841 pessoas no banco dos réus, mas apenas nove (1,1%) foram condenadas definitivamente. Do total, só 55 (6,5%) sofreram algum tipo de condenação — a maioria teve a pena anulada ou recorre em liberdade. Os dois famosos processos, apelidados de satiagraha e castelo de areia, foram trancados pela justiça pelos mesmos motivos: uso de provas forjadas, acusações anônimas e inconsistências. Muitas notícias, muito barulho e nenhum resultado.

Como já fizera seu antecessor, a própria presidente Dilma Rousseff, recentemente, admitiu a prática de “abusos, excessos e afrontas” em investigações. Ainda ministra-chefe da Casa Civil, Dilma atacou duramente o que ela descreveu acusações que buscavam tão somente “a criminalização do nada” contra desafetos ou adversários.

Nos arquivos da Justiça Federal e do Superior Tribunal de Justiça, a Folha de S.Paulo apurou a existência de 28 processos nos quais a União foi condenada, em primeira e segunda instâncias, a pagar por deslizes da Polícia Federal. Pessoas presas por engano argumentam que sofrem até hoje danos psicológicos e constrangimentos em função dos erros da Polícia. Reclamam da demora para o pagamento das indenizações e dizem que o valor é baixo diante dos momentos que tiveram que enfrentar. A maior parte das vítimas não têm coragem de enfrentar o Estado novamente, mesmo tendo sido presas indevidamente.

O chamado Pacto Republicano, acordo feito entre os chefes das duas casas do Congresso, a presidência do STF e o Planalto, prevê a aprovação de uma nova lei do abuso de autoridade. O projeto original aperfeiçoa a legislação no sentido de definir o que venha a ser o abuso de um agente fiscal, carcereiro, policial, procurador ou juiz que, ao largo do interesse público, prejudicar alguém deliberadamente. Uma prisão preventiva patentemente desnecessária, sem provas ou indícios, por exemplo seria um tipo de abuso de autoridade passível de punição civil e criminal.

O projeto chegou a ser apresentado no Congresso pelo deputado Raul Jungman, mas foi desfigurado pelo delegado da Polícia Civil, deputado Laerte Bessa (PSC-DF), suplente da deputada Jaqueline Roriz. A atualização da lei em vigor, produzida durante o governo Castelo Branco, pelo então ministro da Justiça, Milton Campos, tem o apoio do atual Advogado-Geral da União, Luiz Inácio Adams e do ministro da Justiça, José Eduardo Martins Cardozo.

Mais indenizações a caminho

Novas ações movidas por pessoas que se dizem vítimas de ações abusivas podem inflar as indenizações. No total, a Advocacia-Geral da União registra 241 ações de danos morais nas quais a responsável é a Polícia Federal, incluindo as que já tiveram decisão.

De acordo com a AGU, nem todas elas são relativas a erros ou excessos em operação. E os pedidos de indenização referentes a operações mais recentes ainda não tiveram decisões judiciais. É o caso da Operação Jaleco Branco, que apurou fraudes em licitações na Bahia, em 2007.

A procuradora da Universidade Federal da Bahia Anna Guiomar, presa nessa ação, pede indenização por ter ficado algemada por 16 horas. E se queixa de uma “condenação moral”. Ela foi denunciada à Justiça por improbidade administrativa, mas não está definido se a denúncia será aceita.

Para Arthur de Oliveira Júnior, autor de “Danos Morais e à Imagem”, a divulgação excessiva de prisões pode abrir brecha a indenizações, “especialmente se a pessoa não cometeu o crime”.

Defesa estatal

A PF e a AGU consideram “irrisório” o total de processos por danos morais e materiais se considerados os 16 mil presos desde 2004. Em nota, a PF disse que toda operação sofre “triplo controle: do Judiciário, do Ministério Público e dos superiores hierárquicos”.

A Associação de Delegados da PF declarou que falta uma base de dados confiável sobre mandados de prisão. “Os erros são culpa de um sistema de troca de informações caótico”, diz.

TOP 10

Entre os mais rumorosos processos de corrupção que se arrastam nos tribunais está o esquema montado pelo ampresário Paulo César Farias, ex-tesoureiro da campanha de Fernando Collor de Mello à presidência, para desviar dinheiro público e arrecadar propinas. Ele foi denunciado pelo irmão caçula do já presidente e o levou ao impeachment em 1992. Dos 27 réus, só nove foram condenados, sendo que destes só quatro de forma definitiva.

Collor foi absolvido da acusação de corrupção passiva por falta de provas no STF, e condenado por razões tributárias em 2005, mas a sentença foi anulada e o crime considerado prescrito. PC Farias foi condenado em dois casos e cumpriu pena em regime semi-aberto até receber liberdade condicional. Em 1996 foi assassinado ao lado da namorada. Seu sócio, Jorge Bandeira de Mello tem três condenações, das quais uma já prescreveu.

No ano seguinte, foi a vez dos anões do orçamento. Um assessor da Comissão de Orçamento do Congresso revelou a existência de um esquema em que parlamentares desviavam dinheiro do Orçamento da União para laranjas e parentes por meio de emendas parlamentares. Seis deputados foram cassados e perderam o mandato. Dos 31 réus, 13 tiveram os supostos crimes prescritos, e só nove foram condenados, destes três definitivamente.

O dinheiro obtido com lançamento de títulos da Prefeitura de São Paulo para pagamento de precatórios foi usado em obras superfaturadas nos governos de Paulo Maluf e Celso Pitta. Há indícios de desvio de recursos para contas no exterior por meio de doleiros, empresas fantasmas e laranjas. Dos 17 réus, dois foram absolvidos e três condenados.

Em 2000 foi cassado pelo Senado Federal o empresário e dono de uma das construtoras que recebeu dinheiro pelo desvio de cerca de R$ 923 milhões da construção superfaturada do Tribunal Regional do Trabalho de São Paulo, Luiz Estevão. Dos quatro réus, todos foram condenados mas ainda recorrem na Justiça.

O caso da Sudam, descoberto em 2001 tratou de fraude envolvendo políticos, empresários e servidores que desviou dinheiros dos cofres da Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia. Dos 143 réus, dois foram absolvidos, um condenado ainda recorre e quatro pessoas tiveram suas acusações prescritas.

Em 2003, investigações da Polícia Federal chamadas de Operação Anaconda descobriram, por meio de escutas telefônicas, indícios de extorsão e venda de sentenças judiciais. Dos 13 réus, seis foram condenados (ainda recorríveis) e quatro absolvidos. Dentre eles, o ex-juiz federal João Carlos da Rocha Mattos, acusado de ser o mentor do esquema, cumpre prisão domiciliar.

Em 2005 estourou o Mensalão, esquema montado com ajuda de bancos e empresários para financiar o PT e partidos aliados ao governo no primeiro mandato do ex-presidente Lula. O caso deverá ser julgado pelo STF em 2012.

No ano seguinte foi descoberta a Máfia das Sanguessugas, sobre fraude em emendas ao Orçamento que envolveu mais de 100 congressistas e assessores, acusados de receber propina de empresa que vendia ambulâncias superfaturadas para prefeituras. Dos 533 réus, dez foram absolvidos e 22 condenados — destes só dois de modo definitivo.

Após a Operação Navalha, em 2010 foi a vez do Mensalão do DEM. Denunciado por um assessor do governo do Distrito Federal, o esquema de pagamento de propinas de empresários a integrantes do governo ficou célebre pelos vídeos que mostram o ex-governadores José Arruda e outros envolvidos recebendo pacotes de dinheiro em seus gabinetes. Dois promotores são réus de ação penal e a denúncia contra os demais envolvidos deve ser apresentada até o final e 2011 ao STJ.

Castelo de Areia

Denúncias anônimas não podem servir de base exclusiva para que a Justiça autorize a quebra de sigilo de dados de qualquer espécie. Com esse fundamento, a 6ª Turma do Superior Tribunal de Justiça decidiu, no começo de abril desse ano que todas as provas obtidas na operação Castelo de Areia a partir da quebra generalizada do sigilo de dados telefônicos foram ilegais.

Na prática, a operação ruiu, tal qual um castelo de areia. Isso porque as supostas provas do processo foram colhidas em interceptações telefônicas baseadas em denúncias anônimas. O conteúdo das gravações também não tinha consistência nem comportava as interpretações que a polícia e os procuradores esboçaram nos documentos acusatórios.

A decisão foi tomada por três votos a um. A ministra Maria Thereza de Assis Moura e os desembargadores convocados Celso Limongi e Haroldo Rodrigues entenderam que as provas que embasaram a denúncia que nasceu da operação são nulas. Apenas o ministro Og Fernandes considerou a operação legal.

A operação Castelo de Areia foi deflagrada em março de 2009, alegadamente para investigar crimes financeiros e desvio de verbas públicas que envolviam diretores de empreiteiras e partidos políticos. Em dezembro do mesmo ano, o juiz Fausto Martin De Sanctis acolheu parte da denúncia do Ministério Público contra três executivos da Camargo Corrêa. Como aconteceu com praticamente todas as decisões do juiz também esse caso veio abaixo.

Satiagraha

Em junho também desse ano a 5ª Turma do Superior Tribunal de Justiça anulou todos os procedimentos decorrentes da Operação da Satiagraha da Polícia Federal, inclusive a condenação do banqueiro Daniel Dantas por corrupção ativa. Por três votos a dois, o STJ considerou que a atuação da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) na operação da PF violou os princípios constitucionais da impessoalidade, da legalidade e do devido processo legal. “Se a prova é natimorta, passemos desde logo o atestado de óbito, para que ela não seja usada contra nenhum cidadão”, disse o presidente da 5ª Turma, ministro Jorge Mussi, ao dar o voto que desempatou o julgamento.

Sobre os frutos da árvore envenenada da satiagraha há acusações piores: a investigação teria sido patrocinada pela iniciativa privada. Em um outro processo, os empresários Luís Roberto Demarco e Paulo Henrique Amorim respondem, no STF, pelo crime de corrupção ativa. Os ex-delegados Protógenes Queiroz e Paulo Lacerda respondem por corrupção passiva.

O STJ também entendeu pela anulação por causa da contratação de investigadores particulares, pois não fazem parte do quadro da Polícia Federal e, portanto, não poderiam ter acesso a informações protegidas por sigilo legal para fazer escutas telefônicas na Satiagraha. Os investigadores foram contratados diretamente pelo delegado Protógenes Queiroz.

Fonte: Conjur

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