Depreciação no resultado tributável

As Leis nº 11.638, de 2007, e 11.941 de 2009 introduziram sensíveis mudanças na quantificação de receitas e despesas do lucro líquido. Dentre elas, as sociedades passaram a efetuar, periodicamente, a análise sobre a recuperação do imobilizado para calcular a quota de depreciação cabível (art. 183, parágrafo 3º, II, da Lei nº 6.404, de 1976 – a Lei das S/A – e Deliberações CVM nº 553/08 e 583/09, que aprovaram os CPCs 04 e 27).

A aplicação do novo critério tem revelado muitas vezes taxas de depreciação para lucro líquido em percentual inferior ao da legislação fiscal para o Imposto de Renda e Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL). Antes das alterações mencionadas, a Lei das S/A não estabelecia tratamento próprio para a depreciação. Diante disso, simplesmente eram admitidas como dedutíveis as quotas que se adequassem aos princípios contábeis geralmente aceitos. Na prática, isso fazia com que o lucro líquido fosse apurado mediante o uso das taxas da legislação fiscal. Após as modificações, a avaliação do preço dos ativos tem revelado valor superior ao contabilizado e vida útil maior que a estimada. Em consequência, as sociedades são obrigadas a alongar o prazo de vida dos bens e a apropriarem quota de depreciação inferior àquela que até então registravam.

O entendimento dominante é de que as mudanças citadas não interferem na determinação do IRPJ e da CSLL, por força do Regime Tributário de Transição (RTT – arts. 15 a 18 da Lei 11.941/09 – vide Valor Econômico de 16.03.11). No entanto, há quem considere que, mesmo com o RTT, a depreciação fiscal deve ser quantificada segundo os novos métodos contábeis. Afirma-se que nessa parte a legislação fiscal seguiria o direito privado. Assim, as mudanças no lucro líquido teriam sido encampadas pela legislação do IRPJ e da CSLL. Outrossim, há que se considerar que o RTT é temporário, podendo ser revogado por lei a qualquer momento.

Diante disso, cumpre examinar qual o regime de apuração da quota de depreciação fiscal no presente, bem como quando o RTT deixar de ser aplicado.

O artigo 310 do Decreto nº 3.000, de 1999 (“RIR”) estabelece que a depreciação é fixada em função do prazo esperado para utilização econômica. Compete à administração fiscal publicar o prazo de vida útil admissível, em condições normais de operação (INs 162/98 e 130/99). Com isso, foi fixado critério único a todos como padrão a ser observado, pouco importando o desgaste efetivo do imobilizado de cada contribuinte.

Comparando-se o tratamento fiscal com o contábil recém-introduzido, verifica-se que ambos utilizam premissas diversas para chegar à depreciação cabível.

A legislação fiscal fixa piso mínimo aceitável de dedução, ainda que o desgaste real seja inferior. Já as normas contábeis impõem a necessidade de identificar anualmente a vida útil para fixar a depreciação (com base em pelo menos quatro parâmetros), sem prejuízo de considerar a experiência da sociedade com ativos semelhantes (CPC 27).

Portanto, há uma distinção de critérios: enquanto as regras fiscais impõem um tratamento igualitário, as normas contábeis exigem um exame individual e periódico.

A opção feita pela legislação fiscal é denominada método linear. Trata-se de um desgaste admissível, cujo racional é o mesmo que justifica aplicar percentuais pré-definidos sobre a receita para cálculo do lucro presumido e desprezo da efetiva lucratividade de cada contribuinte, utilizando um padrão de retorno por segmento econômico.

Poder-se-ia criticar a escolha fiscal pelo método linear, em detrimento da verificação do desgaste acumulado e do prazo de vida dos bens do contribuinte. A assertiva tem cabimento em especial por tratar de dispêndio computável no lucro real.

A crítica, no entanto, não é procedente. A aplicação de um valor mínimo a todos, mantido o direito de aquele que tem maior desgaste possa, após demonstrá-lo, apropriar quota superior (art. 310, parágrafo 1º, do RIR), justifica-se como instrumento de simplificação da apuração do resultado tributável, que encontra fundamento na praticabilidade da tributação. Nesse caso, a quota só seria descabida se a taxa fosse arbitrária, a ponto de desnaturar as bases de IRPJ/CSLL.

No entanto, o simples fato de haver um padrão igualitário mínimo não representa desprezo ao lucro real. A análise da legislação revela haver outros itens que também são pré-estabelecidos, tal como a avaliação do estoque pelo custo médio (art. 295 do RIR). Na realidade, tratam-se de concessões feitas para facilitar e dar segurança na apuração do IRPJ/CSLL, sem as quais não haveria possibilidade fática de serem calculados.

Em suma, a legislação fiscal fixa critério próprio para a quota de depreciação, independentemente do valor de mercado do ativo (método linear). A legislação privada, com as mudanças recentes, adota parâmetro distinto (vida útil econômica efetiva). Por essas razões, com ou sem RTT, o trabalho técnico feito para quantificar a quota registrável no lucro líquido é indiferente para identificar a quota dedutível no resultado tributável.

Douglas Guidini Odorizzi é advogado associado do Dias de Souza Advogados Associados

Fonte: Valor Econômico

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