Direito tributário e reação à crise global

Autor(es): Por José M. Domingues e Luis Eduardo Schoueri

A Medida Provisória nº 540 trouxe estímulos à economia, de cunho extrafiscal (uso político do tributo), mesclados com efeitos arrecadatórios. Instrumento de orientação das escolhas econômicas, o IPI deve ser seletivo pela essencialidade dos produtos, mas pode ser graduado para induzir a produção e o consumo mais necessário. O IOF é custo financeiro que, bem calibrado, combate a especulação cambial e inibe o crédito para deter inflação de demanda, ou o estimula para sustentar oferta e procura. A extrafiscalidade pode conciliar-se com isonomia e capacidade contributiva, premiando comportamentos diferenciados face a benefícios futuros (maior emprego, renda e mercado interno), ou por outros valores (proteção ambiental, estímulo às PMEs, soberania).

Eleger um setor gera suspeita de privilégio: desonerado aquele e mantida a carga tributária geral, o restante da sociedade paga pelo benefício. Necessário justificar a vantagem. Casos há, a desoneração não implica favorecimento, mas compensação por condições adversas: em nome da livre concorrência, utiliza-se o tributo para viabilizar atividade que de outra forma não prosperaria. Já usar estímulos fiscais desenfreadamente pode esconder favor não republicano. Impõe-se indagar a cada incentivo se no lugar da renúncia fiscal se desse um subsidio àquele setor: diversos na forma, subsídios e incentivos desarrazoados serão igualmente inconstitucionais.

Em julho o IOF já foi usado (Decreto nº 7.536, art. 32-B) para desestimular apostas na queda de divisas, depreciando exportações e atraindo invasão de importações de países que fazem guerra cambial, deletéria ao Brasil, segurando o valor de suas moedas ou emitindo desenfreadamente.

No dia 16, foi editado o Decreto 7.567, que, com base nos arts. 5º e 6º da MP 540, procura estimular a indústria automotiva, reduzindo o IPI com o objetivo de estimular a competitividade, a agregação de conteúdo nacional, o investimento, a inovação tecnológica e a produção local. A MP trouxera salvaguardas face a produtos importados (art. 5º, § 1º, III; art. 6º). O problema é que o instrumento pode pretender viés protecionista, ao prestigiar conteúdo nacional. Merecem atenção as alíquotas diferenciadas, já que ao mesmo produto em tese deve corresponder igual tributação. Ademais, a Constituição exige o respeito ao intervalo de 90 dias para qualquer aumento de IPI. Só em 15 de dezembro poderá valer a nova medida. Também questionáveis os critérios para a escolha do setor beneficiado: o incentivo fiscal deve vir no âmbito do planejamento econômico evidenciando o ganho para toda a sociedade.

O Reintegra merece atenção para não se incorrer em contradição de livre comércio defendida pelo Brasil na OMC (o crédito-prêmio à exportação foi lá condenado). Visa resguardar a competitividade nacional, mas é de aguardar-se a regulamentação para ver o quadro completo.

A MP ajusta o IPI de vários produtos, como cigarros, cuja tributação mais onerosa se justifica pela seletividade (supérfluos e prejudiciais à saúde). Perigosa é a constatação de o vício ser aproveitado pelo Estado. Já se polemiza quanto à sua vigência. Conquanto no curto prazo se compreenda o aumento de impostos para compensar desonerações, mais saudável seria reduzir os gastos públicos, com corte da carga tributária.

A desoneração da folha de pagamento de alguns setores (como TI e comunicação) exige reflexão: sua vigência após dezembro (CF, art. 195, 6º) indica aumento de contribuição sobre base diversa (receita bruta – arts. 7º e 8º) com validade de um ano; representa saída da inércia governamental reclamada pelo setor produtivo, cabendo, porém, monitorar os resultados do teste que pode vir a ser estendido a toda a economia, sofrida pelo garrote tributário, máxime face à incúria na gestão pública e orçamento ficção. O empresário está preocupado: a arrecadação da contribuição pode ultrapassar a desoneração (a Cofins de 7,6% da receita nasceu do Finsocial de 0,5% do faturamento); anunciou-se aumento da tributação federal: 24,18% do PIB.

Há majoração de PIS-Cofins sobre importações sensíveis em concorrência desleal: mais legítimas seriam medidas antidumping e outras aceitas pela OMC. Conceda-se que dependeriam de conhecimento da formação de preços nos países visados, o que exige diplomacia e é tarefa difícil no curto e médio prazo dependendo da distância física e cultural. Mas o Brasil, uma das maiores economias do mundo, tem compromisso com o direito internacional. Interesses fugazes não podem tisnar o respeito alcançado pela observância das leis internacionais.

A MP enfrenta desafios de planejamento conforme a ordem econômica interna; no plano externo, deve adaptar-se aos tratados firmados pelo país. Estes são os limites jurídicos da intervenção tributária no domínio econômico.

José Marcos Domingues e Luis Eduardo Schoueri são, respectivamente, professor titular de direito financeiro da UERJ e professor titular de direito tributário da USP

Este artigo reflete as opiniões do autor, e não do jornal Valor Econômico. O jornal não se responsabiliza e nem pode ser responsabilizado pelas informações acima ou por prejuízos de qualquer natureza em decorrência do uso dessas informações

Fonte: Valor Econômico

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