Em alguns municípios, o lançamento do IPTU vem causando grande confusão entre os contribuintes, por trazer aumentos muito maiores do que a inflação verificada no ano passado, que foi de pouco menos de 6%.
Há lançamentos registrando reajustes de mais de 100%, que em alguns casos chegam a ultrapassar 500%. Com isso, os contribuintes procuram as prefeituras para reclamar e ameaçam ir à Justiça contra o aumento que entendem abusivo.
Toda essa questão decorre em boa parte da omissão de prefeitos que não fizeram os reajustes da base de cálculo anualmente, permitindo que a defasagem entre ela e o valor lançado criasse uma diferença de grande monta, que deve ser eliminada.
Lamentavelmente, muitas prefeituras sempre preferiram depender dos repasses das verbas federais e estaduais, negligenciando na cobrança dos impostos municipais, dentre os quais o IPTU. Os municípios recebem metade da arrecadação do IPVA e um quarto do ICMS, além de parte da arrecadação do IPI e outros fundos federais. Essa dependência parece cômoda, especialmente aos prefeitos e vereadores que pensam apenas na próxima eleição. Isso precisa e deve mudar.
O IPTU tem algumas características interessantes, a começar pelo fato de ser um imposto praticamente impossível de ser sonegado. Mesmo que um imóvel seja negociado por valor inferior à realidade, o imposto pode e deve ser lançado pelo chamado valor venal.
Nas grandes cidades esse valor é obtido a partir de levantamentos que dão origem à planta genérica de valores, onde se leva em conta o valor do terreno e se for o caso o das benfeitorias. Quando o contribuinte aumenta a área construída de seu imóvel, sem retificar o cadastro do imóvel na prefeitura, cria uma divergência entre o valor do lançamento e o valor que o imóvel passou a ter com a benfeitoria nele introduzida.
O valor venal, sendo a base de cálculo do imposto, deve ser apurado objetivamente, tendo em conta o imóvel que deve ser considerado individualmente. Muitas vezes dois imóveis com área construída quase igual e localizados no mesmo bairro possuem valor diferente, tendo em vista o estado de conservação, o uso a que se destinam, a qualidade da construção e acabamento, a idade dos imóveis (depreciação) etc.
O lançamento deve estar o mais próximo possível da realidade. Cabe ao contribuinte impugnar o valor exagerado, o que se prevê no artigo 148 do Código Tributário Nacional, mediante processo regular. Todavia, a eventual discussão não suspende o pagamento, a menos que o contribuinte deposite o valor questionado.
A atualização do valor venal de um ano para outro pode ultrapassar a correção monetária, desde que haja lei autorizando. Esse é o entendimento da jurisprudência, como se vê na Súmula 160 do STJ:
“É defeso ao município atualizar o IPTU mediante decreto em percentual superior ao índice oficial de correção monetária.”
O artigo 97 do CTN, em seu parágrafo 2º diz que a simples atualização do valor monetário da base se cálculo não é aumento do tributo. Portanto, a correção monetária pelos índices oficiais não é aumento. Mas o mesmo artigo diz que qualquer aumento (além da correção) só pode ser feito através de lei. Assim, a primeira questão a ser verificada é se o reajuste do valor venal tem fundamento em lei. Se for através de decreto, o aumento é indevido.
A apuração do valor correto do imóvel nem sempre é simples. Por exemplo: determinado imóvel foi avaliado neste ano em R$ 500 mil, mas há cerca de um ano o proprietário tenta vendê-lo por valor menor e não consegue.
Tal situação muitas vezes nada tem a ver com o lançamento, podendo ser resultado da especulação imobiliária ou da crise no mercado, que pode ser setorial, localizada, como na hipótese de anúncios de obras públicas, temor de desapropriações, falta de liquidez ou financiamento, ou mesmo questões específicas relacionadas com o imóvel e que prejudicam negócios: inventários, problemas fiscais, falta de certidões, etc.
Portanto, a discussão sobre o valor venal deve ser estudada com atenção e se necessário, baseada em avaliação extrajudicial, feita por perito (engenheiro ou arquiteto), registrando-se que em juízo as avaliações feitas por corretores de imóveis geralmente não são aceitas ou podem ser questionadas.
Em qualquer hipótese deve o contribuinte afastar-se de soluções ilícitas ou “milagrosas”, oferecidas por supostos consultores ou intermediários. Essas ações geralmente são criminosas e o contribuinte não pode se tornar cúmplice de delinquentes.
Quanto à alíquota, ela deve estar fixada por lei municipal e pode ser progressiva em razão do valor do imóvel (CF, art. 156, § 1º). Pode ainda a alíquota variar conforme o uso do imóvel. Não existindo uma alíquota uniforme no IPTU, ela pode variar de um local para outro, como determina a lei do respectivo município. Por exemplo: Em Iguape (SP), cobra-se 5% do valor venal, enquanto em São Paulo, capital, varia de 1,5 a 2%. A tal alíquota de 5% parece ser confiscatória, pois num espaço de 20 anos transfere-se o valor do imóvel para os cofres públicos.
A Constituição (art. 150, IV) proíbe o uso de imposto com efeito de confisco. No caso do IPTU essa possibilidade não pode ser aceita, ante o que assegura o artigo 6º da mesma Constituição Federal, que considera a moradia um dos direitos sociais de qualquer cidadão. Quer nos parecer, portanto, que é necessária a fixação de uma alíquota máxima a ser definida em lei complementar, como já existe para o ISS. Sem isso existe a possibilidade de confisco.
Quem entender que o lançamento do IPTU está exagerado deve reclamar na administração municipal, o que está garantido pelo artigo 148 do CTN. Uma discussão judicial, contudo, só pode ser adequada em valores de grande monta, de preferência depositando-se o valor questionado para garantir proteção para os juros e a correção. Considere-se ainda que uma ação judicial implica em custas e honorários advocatícios a pagar, além de despesas que incluem eventual perícia de engenharia.
Não existe advogado que em ação desse tipo possa garantir êxito. Trata-se, pois, de ação de risco que deve ser avaliado com critério. Não podemos esquecer que o imóvel pode ser penhorado para cobrança desse imposto.
Raul Haidar é jornalista e advogado tributarista, ex-presidente do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB-SP e integrante do Conselho Editorial da revista ConJur.
Fonte: Conjur