Eficiência fiscal e direitos dos contribuintes

Um dos grandes méritos da administração tributária federal, nos últimos anos, é o aproveitamento das inovações tecnológicas para incrementar a eficiência na atividade de arrecadação de tributos e fiscalização sobre os contribuintes. Infelizmente, esse aparato é acompanhado de um crescimento constante das obrigações acessórias – tornando o sistema mais complexo e de difícil observância – e de uma ou outra violação a certas garantias constitucionais na esfera fiscal – o que deverá contribuir para atolar ainda mais o já sobrecarregado Poder Judiciário. O emaranhado de normas fiscais editadas pelo governo, em dezembro de 2.009, fornece exemplos bastante significativos dessa tendência.


Com relação ao aumento de obrigações acessórias, é possível citar a nova previsão de Declaração de Serviços Médicos – Dmed, pela Instrução Normativa nº 985, de 2009, que obrigará pessoas jurídicas prestadoras de serviços de saúde e operadoras de planos privados de assistência à saúde a declarar valores recebidos de pessoas físicas ou pagos a título de reembolsos à pessoa física beneficiária de planos. O objetivo é possibilitar o cruzamento de dados entre os valores declarados pelas pessoas físicas para a dedução de Imposto de Renda com os declarados pelos médicos, identificando-se, mais facilmente, deduções indevidamente aproveitadas e/ou rendimentos sonegados. A medida contribuirá para a eficiência na fiscalização, mas representará mais um dever, dentre muitos, a ser observado pelos contribuintes.


No tocante às “inconstitucionalidades que simplificam”, tomemos os artigos 24 e 25 da Medida Provisória nº 472, de 2009, que consideram como despesa indedutível, para fins de apuração da base de cálculo do IRPJ e CSLL, os juros pagos à pessoa jurídica residente ou domiciliada no exterior quando o endividamento da fonte pagadora ultrapassar determinados patamares. Enquanto o segundo dispositivo trata da hipótese em que o beneficiário é residente em país ou dependência com tributação favorecida ou sob regime fiscal privilegiado, o primeiro trata de pagamentos a pessoas vinculadas. A legislação presume, sem possibilidade de provas em sentido contrário, que o valor do endividamento, em certos casos, é indício suficiente para comprovar o caráter supérfluo da despesa incorrida, facilitando, visivelmente, a atividade do Fisco, que fica desonerado de provar eventual fraude, ou simulação conduzida pelo contribuinte.


Além da inconstitucionalidade do chamado uso das “resunções absolutas”, já rechaçada por nossos tribunais, a medida provisória, singelamente, ignora o chamado princípio da anterioridade, que, visando conferir segurança jurídica, veda a imediata aplicação de legislação que tenha majorado tributos. De fato, com a indedutibilidade prevista, certos contribuintes poderão apresentar um aumento, já em 2009, na base de cálculo do IRPJ e da CSLL, importando acréscimo imediato em sua carga tributária. Contudo, a legislação deveria ter postergado a cobrança para 2010 – no caso do primeiro tributo – e observado o prazo mínimo de 90 dias para a CSLL.


Vale, ainda, citar o artigo 28 da mesma medida provisória, que outorgou ao contribuinte que transferir sua residência a paraíso fiscal, o ônus de comprovar sua efetiva transferência, sob pena de ser tributado, também, no Brasil. Além de criar uma extraterritorialidade indevida, o dispositivo enumera quesitos arbitrários para comprovação de transferência da residência, como por exemplo, a prova de que maior parte de seu patrimônio esteja situado no território listado. Com isso, contribuintes que possuam maior parte de seus bens no Brasil poderão ser tributados como se fossem residentes, em patente arbitrariedade.


Outra recente medida que confere “flexibilidade” à atividade da administração, instituída pela medida provisória nº 478, de 2009, é a delegação outorgada ao ministro da Fazenda para determinar percentuais que influenciarão na aplicação dos chamados “preços de transferência”, mecanismos criados pela legislação para evitar planejamentos fiscais envolvendo pessoas jurídicas vinculadas ou residentes em paraísos fiscais. Com essa delegação, o Ministério da Fazenda poderá interferir, normativamente, no valor da base de cálculo do IRPJ e da CSLL, indo de encontro à Constituição Federal. Aqui, o princípio violado é o da legalidade, ao se delegar ao Poder Executivo a possibilidade de interferir diretamente no cálculo do tributo, extravasando a função regulamentar que lhe fora prevista pela Constituição da República.


Tendo em vista a vigência de um Estado Democrático de Direito, é preciso que esse “aumento de eficiência” que se verifica na atividade de fiscalização não ultrapasse as barreiras da legalidade e de garantias individuais previstas na Constituição. É preciso clamar, ainda, que a eficiência seja voltada em benefício também dos contribuintes, mediante mecanismos que eliminem as numerosas obrigações acessórias.


Charles William McNaughton 

Fonte: Valor Econômico

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