Por Maíra Magro
Uma disciplina de nome diferente está surgindo no Brasil, com potencial de ampliar o conhecimento sobre os litígios e indicar melhores formas de resolvê-los. Trata-se da jurimetria, que mistura direito com estatística. A ideia é mensurar os fatos relacionados aos conflitos, para antecipar cenários e planejar condutas no exercício da advocacia, na elaboração das leis e na gestão do Judiciário.
A jurimetria pode medir, por exemplo, o percentual de decisões de um tribunal num certo sentido. O resultado pode alterar totalmente a estratégia de condução de um caso. Estudiosos da matéria também se dedicam a questões mais específicas, como teses aceitas com maior ou menor frequência, as vezes em que uma norma é aplicada nos julgamentos, o perfil decisório de um juiz ou a probabilidade de descumprimento de uma cláusula contratual.
Por trás da disciplina está uma concepção crítica do estudo tradicional do direito, demasiadamente voltado para a discussão teórica de leis e princípios abstratos. A jurimetria quer abordar as discussões jurídicas de baixo para cima – conhecer os conflitos para depois pensar nas soluções. “A proposta é avaliar como o direito se manifesta de fato na sociedade, quais os problemas concretos das pessoas, quem são elas e que tipos de angústia as levam ao Judiciário”, diz o advogado Marcelo Guedes Nunes, presidente da Associação Brasileira de Jurimetria (ABJ).
Fundada no mês passado por um grupo de professores de direito e estatística da PUC de São Paulo e da USP, a entidade reuniu no dia 10 de junho, em seminário na capital paulista, representantes da academia e do governo interessados em estudar o direito de forma quantitativa. O encontro foi promovido em parceria com a Sociedade Brasileira de Direito Público (SBDP). Além de acadêmicos, contou com a participação de representantes do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), do Ministério da Justiça e do Senado.
“A ABJ está se empenhando em reunir todo mundo que, no Brasil, já tentou algum tipo de diálogo entre essas duas áreas do conhecimento, para compor o repertório da disciplina”, diz o professor Fábio Ulhoa Coelho, orientador de projetos no núcleo de pesquisa de direito comercial da PUC-SP que têm, entre seus objetivos, construir um modelo teórico para a nova disciplina.
Em um desses estudos, Marcelo Nunes identificou cerca de mil processos de dissolução de sociedades empresariais nos tribunais de segunda instância do país. Uma das conclusões foi de que os acórdãos só saem sete anos depois de iniciado o conflito, o que explica a aversão dos empresários ao Judiciário. E quando publicadas, cerca de 80% das decisões deixam de exibir um detalhe crucial: o critério de avaliação da cota do sócio que está deixando a sociedade. “É aberto um novo processo só para discutir o valor”, diz Nunes.
Um dos pressupostos da jurimetria é que os estudos devem ter aplicações práticas. Os dados da pesquisa de Nunes foram aproveitados na elaboração de um substitutivo ao projeto de lei do novo Código de Processo Civil (CPC), em tramitação no Senado. A parte sobre dissolução de sociedades ganhou um dispositivo elencando pontos a serem obrigatoriamente mencionados na sentença – entre eles, o método de avaliação das cotas de quem deixa a sociedade. Outro estudo sobre intervenção judicial na administração de empresas concluiu que os juízes não aceitam a má-gestão como fundamento para afastar um sócio – indicando uma estratégia argumentativa a ser evitada pelos advogados.
A jurimetria também chama a atenção da Secretaria de Assuntos Legislativos do Ministério da Justiça, cujo projeto “Pensando o Direito” financia pesquisas empíricas em áreas como execução penal, crimes de cartel e reparação de danos no Judiciário. “Ao saber como os juízes estão julgando a partir das leis, é possível entender se foi possível ou não alcançar o resultado almejado, e identificar obstáculos”, diz o secretário de Assuntos Legislativos, Marivaldo Pereira. “Com isso, temos condições de propor novas normas para corrigir ou aperfeiçoar procedimentos.”
Dentro da recém-fundada ABJ, Adilson Simonis, professor do Instituto de Matemática e Estatística da USP, planeja uma tarefa ambiciosa: analisar detalhadamente como se dá a tramitação dos processos nas varas de todo o país, separando os dados por autor, tipo de ação e de recurso, motivo da discussão e tempo para se tomar uma decisão. O estudo começa por São Paulo, para depois envolver os outros Estados.
Simonis tem 28 anos de profissão e já usou a estatística da área médica à de energia. Este é seu primeiro trabalho com o Judiciário. “Se me convidassem dez anos atrás, eu diria que não, pela falta de uma base de dados”, diz. O avanço da jurimetria deve muito ao desenvolvimento tecnológico, que facilita e amplia o acesso a informações processuais. Apesar disso, esta ainda é a parte mais problemática sobre os estudos na área. “Em matérias mais específicas, não há informações disponíveis ou elas estão muito brutas, havendo a necessidade de um grande trabalho inicial de preparação dos dados antes da pesquisa propriamente dita”, diz Fernando Meneguin, diretor do Núcleo de Estudos e Pesquisas do Senado Federal, interessado em ferramentas que permitam embasar melhor as proposições da Casa.
O aprimoramento do banco de dados é uma das diretrizes do CNJ. Em 2003, os esforços do órgão resultaram no primeiro “Justiça em Números”, um panorama nacional dos processos distribuídos e julgados, cargos de juízes ocupados, habitantes por juiz, receitas e despesas. Outro estudo indicou os cem maiores litigantes do país, permitindo identificar estratégias para combater, por exemplo, o uso excessivo de recursos. “É uma verdadeira revolução no Judiciário”, diz o juiz José Guilherme Vasi Werner, secretário-geral adjunto do CNJ.
Fonte: Valor Econômico