Execuções Fiscais. Inaplicabilidade da multa de 10% presvista pelo art. 475-J do CPC

Autora: MARA DENISE POFFO WILHELM
Advogada, Consultora Empresarial, sócia da Wilhelm Advogados & Associados, Bacharel em Direito pela Universidade Regional de Blumenau – FURB, Especialista em Direito Tributário pelo IBET, Especializanda em Direito Processual Civil pela FURB – Instituto Gene.
 
Com o intuito de dar mais efetividade e agilidade ao processo executório, a Lei 11.382, de 22 de dezembro de 2005, trouxe uma série de inovações, que visam beneficiar o credor, a salientar pela possibilidade do mesmo de promover a execução provisória do crédito, diante da procedência da sentença de 1º grau. Outra inovação desta lei, foi a introdução da multa de 10% sobre o valor da condenação inserida pelo art. 475-, após transcorrido o prazo de 15 dias da intimação do devedor para o pagamento.

Tem sido muito polêmica a aplicação da referida multa, e portanto creio que para efeitos de fundamentação é necessário entender a natureza jurídica da mesma. Uma das correntes, considera que a multa prevista no 475-J do CPC assumiu uma natureza jurídica cominatória, tendo em vista o que já dispunha do art. 287 do CPC, e considerando que dessa forma o não pagamento pelo valor da sentença é um descumprimento da mesma, e portanto, é penalizado pela multa pecuniária de 10% sobre o valor da sentença.

Pela corrente doutrinária de Wambier, Wambier e Medina, entendem que a multa do 475-J tem a função de ser um meio de coerção, portanto, tendo natureza coercitiva. Dessa forma, entendem ainda, que seria possível sua cumulação com a multa prevista no artigo 14, inciso V, § único do CPC, por ato atentatório à dignidade da jurisdição, se for o caso.(1)

Ainda haveria a possibilidade de entender que a natureza da referida multa teria um caráter punitivo pois, pelo reconhecimento de valor devido a outrem face a procedência da sentença, e pelo lapso transcorrido, não somente da publicidade da sentença, mas desde o inadimplemento do devedor, o prazo de 15 dias, seria suficiente para o mesmo cumprir com a obrigação devida.

Assevera-me portanto, que dentre as possibilidades aqui aventadas, a natureza jurídica coercitiva do art. 475-J é a mais plausível, pois procura fazer com que o devedor honre seu compromisso financeiro, confirmado pela sentença condenatória de 1º grau, a fim de não mais prejudicar o credor nem tampouco aproveitar-se da morosidade do judiciário e das medidas recursais anteriormente existentes, muitas vezes com o intuito meramente postergatório.

Porém, a aplicação da multa do 475-J do CPC encontra algumas limitações, não sedo aplicável nas Execuções Fiscais, face sua natureza jurídica por ferir preceitos constitucionais, tais como o princípio da legalidade, tipicidade e da especificidade.

O princípio da legalidade, não é apenas utilizado no direito tributário, ele se projeta para todos os domínios do Direito, pois vem do enunciado no art.5°, inciso II da CF:

“Art. 5° (…): II-ninguém será obrigado a fazer alguma coisa senão em virtude da lei”.

O princípio da estrita legalidade ou princípio da reserva absoluta da lei formal foi enfatizado pelo legislador constituinte de 1988, expresso pelo art. 150, inciso I da Constituição, no qual veda à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, exigir ou aumentar tributos sem que lei o estabeleça.

Segundo o ensinamento de Roque Antônio Carrazza(2), “graças a este dispositivo, a lei – e só ela – deve definir, de forma absoluta e minuciosa, os tipos tributários. Sem esta precisa tipificação de nada valem regulamentos, portarias, atos administrativos e outros atos normativos infralegais: por si sós, não tem a propriedade de criar ônus ou gravames para os contribuintes. (…) O princípio da legalidade é um limite intransponível à atuação do Fisco. O tributo subsume-se a este princípio constitucional”. – grifos da Autora.

Já o princípio da tipicidade, na verdade, como sendo a materialização do principio da legalidade. Ou seja, o princípio da tipicidade enuncia que não basta simplesmente exigir-se lei formal e material para criação do tributo, pois é necessário que a lei que crie um tributo “defina tipo fechado, cerrado, todos os elementos da obrigação tributária”, de modo a não deixar espaço algum que possa ser preenchido pela Administração em razão da prestação tributária corresponder a uma atividade administrativa plenamente vinculada (CTN, art. 97).

E finalmente, o princípio da especificidade, que versa onde há Lei Específica disciplinando determinado assunto, esta não poderá deixar de ser aplicada em favor de Lei Geral, eis que o intérprete não pode ir além do que dispõe a lei.

Este princípio verifica-se claramente nas execuções que tem procedimento próprio previsto em lei, como a execução de alimentos, a execução fiscal e a execução contra Fazenda Pública, e face a lei específica que regulamenta cada um desses procedimentos, tem-se então que o intérprete não pode ir além do que a lei dispõe.

Nesse sentido, dispõe o art. 2° da Lei de Introdução ao Código Civil:

“Art. 2°: Não se destinando à vigência temporária, a lei terá vigor até que outra a modifique ou revogue.
§ 1°. A lei posterior revoga a anterior quando expressamente o declare, quando seja ela incompatível ou quando regule inteiramente a matéria de que tratava a lei anterior.
§ 2°. A lei nova, que estabeleça disposições gerais ou especiais a par das já existentes, não revoga nem modifica a lei anterior.” Grifos da Autora

No presente caso, a Lei 11.382/05, é Lei Ordinária, e é enquadrada como lei geral, mas no presente caso, não atinge o que já dispõe as leis específicas, como por exemplo a Lei de Execuções Fiscais, Lei 6.830/80, que disciplina o procedimento relativo as certidões de dívida ativa, bem como todo o procedimento executório fiscal, pois quando aquela entrou em vigor, não revogou expressamente artigos da Lei 6.830/80, que disciplinam a cobrança das multas, juros e demais procedimentos aplicáveis às execuções fiscais.

Ainda, no campo do Direito, a revogação tácita não se presume, devendo estar cabalmente demonstrada. Para ser tácita, deverá haver incompatibilidades entre as novas disposições e as precedentes, ou quando a nova lei regula toda a matéria disciplinada pela anterior. Havendo incompatibilidade entre duas leis, prevalece a lei posterior, nos pontos em que ela é incompatível com a anterior (art. 2°, § 1°, da LICC).

Porém, quando trata-se de lei de CARÁTER ESPECIAL NÃO REVOGA, NEM É REVOGADA, PELA LEI DE CARÁTER GERAL (art. 2°, § 2°), o que é o caso da Lei 11.382/05, que não revogou, nem modificou o que disciplina a Lei 6.830/80.

Nesta linha de pensamento, preceitua Roque Antônio Carrazza(3):

“Logo, a conhecida parêmia lex specialis derogat generalis há de ser entendida em termos: a lei especial não revoga a lei geral, mas, apenas, a ela prefere, nos pontos que expressamente regula. Ai não se verifica uma revogação, mas, pelo menos circunstâncias normais, a aplicação simultânea das duas leis (a geral e a especial).
(…)
É o que explica, com propriedade, José de Oliveira Ascenção: ‘A afirmação, aparentemente lógica, de que a lei geral, por ser mais extensa, incluirá no seu âmbito a matéria da lei especial, que fica revogada, não se sobrepõe à consideração substancial de que o regime geral não inclui a consideração das condições particulares que justificaram justamente a emissão da lei especial. Por isso, ela não será afetada pela simples razão de o sistema geral ter sido modificado'”. – grifos da autora.

A Lei 6.830/80, é uma lei especial que trata especificadamente das Execuções Fiscais, e segundo Humberto Theodoro Junior(4) foi editada “com o claro e expresso propósito de agilizar a execução fiscal, criando um procedimento especial diverso da execução forçada comum de quantia certa, regulado pelo Código de Processo Civil”.

No seu artigo 1°, assim estatui:

“A execução judicial para cobrança da Dívida Ativa da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios e respectivas autarquias será regida por esta Lei e, subsidiariamente, pelo Código de Processo Civil.”

Em sendo assim, no que diz respeito ao processo executivo fiscal, a aplicação do CPC será, subsidiária no que for omisso, uma vez que em relação ao sistema processual, existe um subsistema veiculado pela Lei 6.830/80 (LEF) que regulamenta de forma expressa, a relação processual existente entre a Fazenda Pública, o órgão jurisdicional e o executado, e nesta hipótese não se admite mudanças no que ali está previsto, eis que nada fora revogado por expressa determinação legal.

Ainda, tudo o que se referir a tributos, criação, extinção, isenção, cobrança, haverá de ter expressa determinação legal, sob pena de ferir os princípios norteadores, a salientar, da legalidade, da anterioridade, da tipicidade.

Também, na própria Lei de Execuções Fiscais, já existe muitos benefícios que foram concedidos em prol do Fisco, a fim de garantir a execução dos supostos créditos tributários, tal como o reconhecimento da Certidão de Dívida Ativa como título executivo, a penhora, inclui-se aqui, o bacen-jud, a possibilidade de redirecionamento da execução para os sócios, adjudicação, enfim, tem a seu benefício também a execução provisória, acaso o recurso do contribuinte não seja recebido no efeito suspensivo. Porém, uma coisa é bem clara no meu entender, a multa de 10% prevista no art. 4575-J do CPC, sobre o montante da condenação resultado de uma execução fiscal não tem amparo legal para ser aplicada.

Podemos citar ainda outros artigos da LEF que regulamentam o processo executório, e que estão vigentes no tocante à cobrança de multas, para as execuções fiscais:

“art. 8°. O Executado será citado para, no prazo de 5 (cinco) dias, pagar a dívida com juros e multa de mora e encargos indicados na Certidão de Dívida Ativa (…)” – grifos da autora.

“art. 9°. Em garantia na execução, pelo valor da dívida, juros e multa de mora e encargos indicados na Certidão de Dívida Ativa (…)” – grifos da autora.

“art.19°. (…) no prazo de 15 (quinze) dias:
I – pagar o valor da dívida, juros e multa de mora e demais encargos, indicados ba Certidão de Dívida Ativa, pelos quais se obrigou (…)” – grifos da autora.

Enfim, é bem específica a disposição legal na LEF no tocante à cobrança de multa, eis que somente se admite a que está expressamente indicado na Certidão de Dívida Ativa, razão pela qual não pode ser considerada omissa nem tampouco necessitar de aplicação subsidiária do Código de Processo Civil, pois está expressamente estatuído. Não há previsão legal para a aplicação pelo Juiz da multa de 10% do art. 475-J do valor da condenação, quando se tratar de execuções fiscais, por ferir os princípios legalidade, tipicidade e da especificidade.

Notas

(1) MEDINA, José Miguel Garcia; WAMBIER, Luiz Rodrigues; WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Breves Comentários à Nova Sistemática Processual Civil, II. São Paulo: RT, 2006, pág 145.

(2) CARRAZA, ROQUE ANTÔNIO. Curso de Direito Constitucional Tributário. 17ª. Edição. Editora Malheiros, 2002, São Paulo – SP.

(3) CARRAZA, ROQUE ANTÔNIO. Curso Direito Constitucional Tributário. 17ª Edição. Editora Malheiros, 2002, São Paulo – SP.

(4) JUNIOR, HUMBERTO THEODORO. Lei de Execução Fiscal. 4ª Edição.Editora Saraiva, 1996, São Paulo – SP.

Fonte: TributárioNet

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