Sergio Leo e Luiza de Carvalho
Em uma reunião, no Senado, nesta semana, o governo e os exportadores podem chegar, finalmente, a um acordo para resolver um longo contencioso jurídico, sobre a devolução de créditos-prêmio a exportação recebidos pelas empresas desde 1983. É o que acredita o diretor do departamento de relações internacionais e comércio exterior da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), Roberto Giannetti, que espera, pelo menos desde o ano passado obter a aprovação do Ministério da Fazenda para o acerto que evitaria o julgamento da questão pelo Supremo Tribunal Federal (STF). A possibilidade de um acordo será discutida nas emendas aglutinativas acrescidas à Medida Provisória (MP) nº449, uma delas que reconhece as compensações de créditos-prêmio às exportações registradas até 31 de dezembro de 2002 – prazo que a Fiesp entende ser justo para os dois lados, ou seja, Fazenda e contribuintes.
Com base em estudo encomendado à Beluzzo e Associados e à LCA Consultores (antes dirigida pelo atual presidente do BNDES, Luciano Coutinho), Gianetti argumenta que a decisão do Supremo, qualquer que seja, provocará sérios problema na economia. Se a União perder, terá um grande passivo fiscal, a ser exigido imediatamente pelas empresas; se ganhar, poderá inviabilizar boa parte do setor exportador. Na entrevista abaixo, ele detalha os argumentos do setor privado:
Valor: O governo diz que as empresas não tinham direito a se creditar do IPI, e, por isso, acumularam uma dívida que pode chegar a centenas de bilhões de reais…
Roberto Giannetti : A interpretação da Receita Federal é sempre favorável à Receita. Mas a decisão da Justiça, até hoje, foi majoritariamente a favor dos exportadores. Houve uma primeira decisão a favor do governo e uma segunda a favor dos exportadores que valeu até 2004. Os litígios começaram nos anos 90, quando a Receita passou a recusar sistematicamente os pleitos de crédito tributário, que visavam reembolsar os exportadores dos impostos diretos e indiretos não compensados na cadeia produtiva exportadora.
Valor: Os senhores querem acordo porque vão perder essa causa?
Giannetti : Ao contrário, foi a Fazenda quem fez a primeira convocação para discutir a possibilidade de acordo. Em 2005, o STJ tomou uma decisão firmando o ano de 1990 como data do fim do crédito-prêmio, uma decisão absolutamente protelatória.
Valor: O governo pode ganhar…
Giannetti : Se o governo ganhar, as empresas teriam de pagar o que compensaram com multa e juros, apesar de terem descontado seus créditos, na década de 90 até 2004, legitimamente, com decisão judicial favorável já quase automática. Dependendo do julgamento do auditor fiscal, as multas chegam a 150%, teria uns R$ 60 bilhões até 2002 em créditos-prêmio, mas, com a multa, isso iria para mais de R$ 120 bilhões, R$ 150 bilhões. Isso provocaria enorme prejuízo, falência de empresas, queda de exportações e quebra da segurança jurídica.
Valor: Mas então porque os exportadores não aceitaram o acordo?
Giannetti : Tem dois anos essa discussão, a Fazenda sempre foi muito rigorosa nas condições, queria uma data de corte (para o fim da validade do crédito-prêmio IPI) ainda na década de 90 e nós queríamos 2004. É um acordo voluntário, se a proposta do governo for ruim, muitas empresas continuarão com o processo, não haverá adesão. Tem de ser uma proposta minimamente aceitável, dentro da lógica tributária, de uma justiça, para que haja adesão.
Valor: Porque resolver por acordo e não no Supremo?
Giannetti : Se os exportadores ganham, o valor potencial de crédito-prêmio, desde 1990 a 2009, é de R$ 180 bilhões. Nem nós, nem a Receita, temos na ponta do lápis quanto já foi compensado pelos exportadores; fizemos um teste por amostragem consultando 300 das 500 maiores exportadoras e concluímos que 72% do valor já foi compensado, até 2002. Depois disso, especialmente de 2004 a 2008 as empresas deixaram de compensar, por causa da mudança de jurisprudência. O prejuízo do governo, se perder no Supremo, deve ser de mais de R$ 100 bilhões, porque muito deixou de ser compensado. É um problema fiscal relevante.
Valor: O que o leva a pensar que a atual proposta dará certo?
Giannetti : Acabamos concordando em usar, como data de equilíbrio, 31 de dezembro de 2002, quando acabou o PIS-Cofins cumulativo, o principal fator de acumulação indevida de imposto sobre os exportadores. Não estamos pedindo algo esdrúxulo, muitos países praticam a devolução, sob a forma de “reintegro”. O acordo é previsto no Código Tributário, a possibilidade de uma solução consensual que evite o litígio, muitas vezes demorado, prejudicial a ambos os lados, de resultado incerto. Se a decisão do tribunal fosse favorável aos exportadores, o crédito-prêmio estará em vigor até hoje, com grande prejuízo fiscal para o governo.
Valor: Temos indicação da Fazenda de que não aceita o acordo …
Giannetti : Nem vai ter o contrário. Uma aceitação explícita e oficial desqualificaria a Fazenda diante da Justiça. Temos a segurança de que os exportadores aceitaram o acordo e o Congresso irá aprovar. A Fazenda e os exportadores julgaram conveniente não tomar posição definitiva sozinhos, e levar o tema ao Legislativo. Há duas emendas sobre o assunto na Câmara à medida provisória nº 449, mas decidiu-se levar a discussão ao Senado, onde o relator, Francisco Dornelles, vai incorporar ou não ao texto e levar à votação.
Valor: Quantas empresas se beneficiarão?
Giannetti : Cerca de 2,5 mil a 3 mil empresas entraram em litígio contra a Fazenda. O valor potencial do crédito-prêmio IPI, até 2002, é R$ 63 bilhões, e 72% disso já foi compensado. Isso deixa um saldo pouco superior a R$ 20 bilhões a ser ressarcido pela Receita com um Certificado de Crédito Fiscal, que poderia ser usado como garantia, colocado na Tesouraria ou até compensado com débitos inscritos na dívida interna. Débitos como o de R$ 120 bilhões, decorrentes de uma decisão judicial favorável à União e contra os exportadores, no caso conhecido como o da alíquota zero do IPI.
Valor: Mas o acordo não cria enorme impacto na dívida pública?
Giannetti : Criaria, se não tivesse como compensar, do outro lado, com essa decisão sobre a alíquota zero. Será o maior encontro de contas feito na história do país.
Fonte: Valor Econômico