Levantamento divulgado pelo Departamento de Competitividade e Tecnologia da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), com base em dados do IBGE, mostra que o Estado de São Paulo vem perdendo participação na formação do Produto Interno Bruto (PIB) industrial brasileiro. De acordo com o estudo, a contribuição de São Paulo para a formação do PIB industrial do País, que era de 49,3%, em 1998, declinou para 40,1%, no ano passado, caindo, pois, 9 pontos porcentuais nos últimos 11 anos. Essa dramática perda de participação é explicada fundamentalmente pela guerra fiscal do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), no âmbito da qual as unidades federadas, para atrair novas indústrias para seus territórios, oferecem desoneração desse imposto, criando verdadeiros paraísos fiscais.
Esses benefícios, ilegais em muitos casos, contemplam operações do comércio atacadista e até – acreditem – de importação de mercadorias do exterior. Uma extravagância! Todos os pressupostos que deveriam orientar um sistema tributário moderno são ignorados nessa selvagem luta por investimentos. De acordo com o trabalho da Fiesp, as indústrias produtoras de mercadorias de maior valor agregado estão migrando para Estados que oferecem vantagens fiscais de ICMS, deixando em São Paulo apenas a sede da empresa, áreas administrativas e plantas antigas com tecnologia defasada.
O efeito desse fenômeno não é levado apenas à conta do emprego e da produção. A receita do governo – e, por decorrência, a quantidade de bens públicos à disposição da sociedade – também é ofendida: a participação do Estado de São Paulo na arrecadação nacional de ICMS vem murchando ano após ano. No período analisado (1998 a 2008), o Estado de São Paulo perdeu 4 pontos porcentuais na arrecadação nacional de ICMS: sua participação desabou dos 38,3%, em 1998, para 34,3%, no ano passado (dados do Conselho Nacional de Política Fazendária – Confaz). Em termos absolutos, essa sangria de receita significa algo em torno de R$ 9,2 bilhões por ano, deslocados, em grande parte, para o orçamento dos Estados mais agressivos na concessão das mamatas de ICMS.
Essa perda anual de receita equivale ao valor dos investimentos do governo paulista na área de transportes (metrô, Companhia Paulista de Trens Metropolitanos, Rodoanel, etc.) programados para o corrente ano. Destarte, tivesse São Paulo mantido a sua participação na arrecadação nacional de ICMS, poderia, por exemplo, investir exatamente o dobro no setor de transportes – um dos gargalos da economia e do bem-estar paulistas. Podem ser alinhadas duas formas de agressão da guerra fiscal à arrecadação do Estado de São Paulo. A primeira, mais óbvia, é a decorrente da perda de investimentos, que sem os artifícios tributários seriam naturalmente direcionados para seu território, em razão das vantagens locais de que dispõe (infraestrutura, mercado, etc.).
A outra decorre do fato de o governo do Estado muitas vezes ser instado a fazer importantes renúncias de ICMS em favor de setores cuja competitividade fica comprometida por benefícios fiscais concedidos alhures. É de destacar que, enquanto os Estados “guerreiros” concedem favores fiscais ao produtor individual (investidor), São Paulo concede o benefício ao produto (setor). Até porque não há previsão na legislação paulista para concessão de incentivo fiscal a projetos de investimento. A conta, então, fica significativamente mais elevada: aqueles renunciam à receita marginal, enquanto São Paulo abre mão de receita preexistente.
Exemplo dessa atitude é a recente concessão, pelo Estado de São Paulo, de benefício fiscal às saídas de embarcações de recreio ou esporte (Decreto nº 54.506, de 1/7/2009). A redução para 7% da alíquota do ICMS incidente sobre iates e lanchas de competição certamente não passaria pela cabeça do policy maker num ambiente tributário sadio, mas extravagâncias dessa natureza acabam sendo cometidas para evitar a migração de um estaleiro para o lado de lá da fronteira. Os consumidores desses bens suntuários agradecem, mas o sistema tributário brasileiro vai ficando cada vez mais esquisito: remédios acabam tendo carga de ICMS (18%) quase três vezes mais elevada do que a de iates (7%).
Ninguém discorda que a redução das disparidades regionais de renda deve se constituir em meta de qualquer política de desenvolvimento econômico, mas ela não deve ser feita via agressão à norma constitucional e às finanças de Estados, que perdem investimento, emprego e receita tributária. A decantada reforma tributária, que supostamente acabaria com a guerra fiscal, não sai do papel justamente porque os Estados não querem abrir mão da possibilidade de fazer política de atração de investimentos para seus territórios por meio da concessão de benefícios fiscais de ICMS. Então, a farra da guerra fiscal vai continuar causando danos às finanças estaduais e comprometendo a competitividade de empresas que não gozam dessas ilicitudes. (*Clóvis Panzarini, economista, sócio diretor da CP Consultores Associados).
Fonte: Estado