Com cinco anos de vigência completados no último dia 4 de junho, a Lei de Recuperação e Falência de Empresas (Lei 11.101/2005) já levou discussões importantes às últimas instâncias do Judiciário. O tema foi debatido por ministros, desembargadores, juízes, advogados e executivos em evento promovido pelo Instituto Nacional de Recuperação Empresarial em São Paulo. O Superior Tribunal de Justiça, o Supremo Tribunal Federal e a Justiça do Trabalho já foram chamados a se manifestar principalmente sobre conflitos entre os tribunais. (Na foto, da esquerda para a direita, a ministra Nancy Andrighi, do STJ, o desembargador Boris Kauffmann, do TJ-SP, e o ministro Sidnei Beneti, também do STJ.)
Para o ministro Sidnei Beneti (na foto ao lado), embora não haja muitos casos envolvendo falência e recuperação de empresas julgados no Superior Tribunal de Justiça, os recursos que a corte já analisou têm consequências relevantes. Entre os temas destacados pelo ministro estão a ilegitimidade de a Fazenda Pública requerer falência de devedores, a não suspensão de execuções fiscais em trâmite enquanto o plano de recuperação é estudado, e a impossibilidade de prorrogação automática do prazo de 180 dias nos quais as execuções individuais contra a empresa param de correr.
“Pode haver prazo maior, mas isso não é automático, e o motivo da prorrogação deve ficar claro”, afirmou Beneti. Enquanto elabora seu plano de recuperação, a empresa tem seis meses para se organizar, período no qual as execuções não tramitam. Da mesma forma, no entanto, as execuções também não podem simplesmente voltar a correr sem autorização do Judiciário. “Não podem ser retomadas após o mero decurso do prazo.” O entendimento foi manifestado no julgamento do Conflito de Competência 73.380 pelo STJ, em 2008, em caso envolvendo a Vasp.
O benefício, inclusive, deve ser estendido ao avalista da dívida, segundo a ministra Nancy Andrighi (foto), do STJ, que também palestrou no evento. “Ocorre novação dos débitos anteriores, e os créditos novados devem ser pagos conforme o plano de recuperação”, disse, comentando julgamento do Agravo de Instrumento 1.077.960 pela 4ª Turma do STJ feito em agosto de 2009. “Em caso contrário, os credores poderiam se opor ao plano de recuperação para executar os bens do avalista, se suficientes.” Segundo ela, não faz sentido salvar a empresa e “quebrar o empresário que a avalizou”.
Discussão que frequentemente divide opiniões nas Justiças comum e do Trabalho, a sucessão de dívidas foi rejeitada pelo STJ em relação aos compradores de ativos da empresa em recuperação, como lembrou Beneti. A corte teve que intervir também para decidir que a competência da Justiça do Trabalho no caso de recuperandas está limitada a resolver questões dos trabalhadores, e não pode decidir sobre atos de execução de qualquer natureza, ainda que já tenha penhorado bens do devedor, disse o ministro.
Para Nancy Andrighi, as varas do Trabalho sequer podem bloquear bens das recuperandas. “O princípio nuclear da recuperação é a vida da empresa, e não apenas sobrevida”, disse. “A eliminação abrupta do fluxo de caixa com execuções da Justiça do Trabalho põe em risco o próprio emprego.”
Para confirmar o acerto da decisão, ela citou outro acórdão, este do Supremo Tribunal Federal. No ano passado, ao julgar o Recurso Extraordinário 583.955, o STF entendeu que, no caso de empresas com pedido de recuperação já protocolado, a Justiça do Trabalho pode até calcular o valor da dívida, mas não determinar a sua execução. “O comando do plano de recuperação deve ficar a cargo de um único juiz universal”, lembrou Nancy Andrighi.
O confronto de entendimentos envolvendo a Justiça do Trabalho, no entanto, mostra que ainda não há um entendimento claro em relação à Lei de Recuperação, na opinião da juíza Olga Vishnevsky Fortes (foto), do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região. “Ainda estamos vendo essa lei do primeiro andar, e precisamos subir. A CLT e a Lei de Recuperação são duas leis especiais”, contrapôs. “Os artigos 10 e 448 da CLT não foram revogados, só precisam ser vistos no contexto da nova lei.”
Segundo os artigos 10 e 448 da Consolidação das Leis do Trabalho, nenhuma alteração na estrutura ou na propriedade da empresa afeta direitos ou contratos dos empregados. Para Olga, embora as recuperandas tenham tratamento diferenciado, não se pode desrespeitar a coisa julgada na Justiça do Trabalho antes da apresentação do plano de recuperação. “Ainda existe dúvida se a novação atinge o crédito trabalhista já julgado, mas não se pode flexibilizar ato do Judiciário”, observou.
Questão que também envolve conflito de competência, o julgamento de crimes no decorrer da falência é da Justiça Cível, segundo o ministro. Além disso, o acusado de crime falimentar pode sair do país, desde que autorizado pelo juízo. “Foi um abrandamento significativo”, comentou o ministro Beneti.
Ponto da lei que ainda é criticado pelos advogados, a nomeação do administrador da empresa pelo juiz falimentar durante o período de recuperação é previsão mantida hermeticamente lacrada pela Justiça. A lei deu ao juiz a escolha do administrador, seu braço direito na condução do processo. Função de confiança, a administração não se confunde com a gestão dos negócios da empresa, essa sim feita por alguém escolhido pelos credores. No entanto, há casos de administrações desastradas que irritam os empresários, principalmente quando são esquecidos prazos judiciais importantes. É por isso que a escolha do administrador também pelos credores é uma requisição desde que a nova lei entrou em vigor.
Para a ministra Nancy Andrighi, embora a lei seja específica em reservar a escolha ao juiz, a iniciativa dos credores pode influenciar na decisão. “Se a indicação for feita pela assembleia de credores, o juiz pode se sensibilizar”, avalia. Já Luiz Roberto Ayoub, juiz da 1ª Vara de Direito Empresarial do Rio de Janeiro encarregado de um dos maiores casos de recuperação judicial do país, o da Varig, disse não abrir mão da escolha. “Esse argumento não me sensibilizaria”, afirmou.
Custo do risco
Embora o grande intuito da Lei de Recuperações seja manter a empresa funcionando, demasiada preocupação em proteger o empresário acaba encarecendo o crédito para as companhias sadias. Foi o vice-presidente do Itaú-Unibanco quem fez o contraponto. “Vou cobrar mais das empresas boas, por causa do risco”, disse Marcos Lisboa. Segundo ele, embora a intenção do financiador sempre seja a de que o devedor se recupere, quanto mais o crédito for protegido, mais barato será o dinheiro e maior o volume de crédito. “O crédito cresce para pequenas e médias empresas, já que as grandes sempre têm acesso”, disse.
O evento, que ocorreu no Hotel Sofitel entre os dias 10 e 12 de junho, foi patrocinado pela Petrobrás, BM&FBovespa, Banco ItaúUnibanco, BRFoods e ERS, e teve apoio do Tribunal de Justiça de São Paulo, da Associação dos Magistrados Brasileiros, da Escola Nacional dos Magistrados, da Ordem dos Advogados do Brasil-SP e do Instituto dos Advogados de São Paulo.
Fonte: Conjur