Mais uma obrigação para os contribuintes

Por Sérgio André Rocha

Não há dúvidas de que empresariado brasileiro tem enormes custos

Um dos reconhecidos problemas brasileiros no que se refere ao ambiente empresarial é a burocracia que cerca as empresas, especialmente no campo tributário. As estatísticas sobre este tema não são claras e não há dados empíricos que sejam reconhecidos de parte a parte como um espelho do custo das empresas com o atendimento da burocracia exigida pelo poder público.

De toda forma, não pode haver dúvidas de que empresário brasileiro tem enormes custos. As autoridades públicas se vangloriam da mudança de paradigmas com a implementação dos sistemas eletrônicos que lhes permitem realizar suas atividades de forma menos custosa. Contudo, o que temos aqui de fato não é a eliminação de uma despesa, mas a sua transferência para a iniciativa privada. Ou seja, a simplificação para a Fazenda significa complexidade para o contribuinte. A redução dos custos públicos representa um aumento dos custos privados.

Foi nesse contexto adverso que a Lei nº 12.546, de 14.12.2011, criou “a obrigação de prestar informações para fins econômico-comerciais ao Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior relativas às transações entre residentes ou domiciliados no país e residentes ou domiciliados no exterior que compreendam serviços, intangíveis e outras operações que produzam variações no patrimônio das pessoas físicas, das pessoas jurídicas ou dos entes despersonalizados” (artigo 25).

Esta medidanão se encontrava no texto original da Medida Provisória nº 540/2011, que deu origem à lei antes mencionada, e representará mais uma obrigação para as empresas em geral. Considerando a pequena repercussão dessa nova medida, a impressão que temos é que muitos não a notaram, já que a mesma está cravada no meio da Lei nº 12.546/2011, que trata de temas tão diversos como o Regime Especial de Reintegração de Valores Tributários para as Empresas Exportadoras (Reintegra) e a alíquota de IPI dos cigarros.

Segundo o disposto na Lei nº 12.546/2011, a prestação das informações em questão: (a) “será estabelecida na forma, no prazo e nas condições definidos pelo Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior”; (b) “não compreende as operações de compra e venda efetuadas exclusivamente com mercadorias”; e (c) “será efetuada por meio de sistema eletrônico a ser disponibilizado na rede mundial de computadores”.

Estabelece a lei, ainda, que são obrigados a prestar tais informações: (a) “o prestador ou tomador do serviço residente ou domiciliado no Brasil; (b) “a pessoa física ou jurídica, residente ou domiciliada no Brasil, que transfere ou adquire o intangível, inclusive os direitos de propriedade intelectual, por meio de cessão, concessão, licenciamento ou por quaisquer outros meios admitidos em direito”; e (c) “a pessoa física ou jurídica ou o responsável legal do ente despersonalizado, residente ou domiciliado no Brasil, que realize outras operações que produzam variações no patrimônio”.

A estranheza dessas regras é ressaltada pelo artigo 26 da Lei nº 12.546/2011, que, de uma forma no mínimo não usual descreve a finalidade da prestação de informações e, assim, de certa maneira, estabelece o que as autoridades públicas farão com elas, ao dispor que “as informações de que trata o art. 25 serão utilizadas pelo Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior na sistemática de coleta, tratamento e divulgação de estatísticas, no auxílio à gestão e ao acompanhamento dos mecanismos de apoio ao comércio exterior de serviços, intangíveis e às demais operações, instituídos no âmbito da administração pública, bem como no exercício das demais atribuições legais de sua competência”.

Ou seja, embora não esteja nem um pouco claro como as empresa se beneficiarão das informações prestadas, ou para quê será utilizado o banco estatístico a ser criado, segundo o dispositivo legal acima a finalidade seria a consolidação de informações sobre o comércio exterior de serviços e intangíveis, visando o apoio a tais atividades.

O que causa espanto, aqui, é um enunciado como esses, típico de exposições de motivos, previsto em um artigo legal.

A lei não traz nenhuma penalidade para o caso de as informações em questão não serem prestadas, limitando-se a dizer, no parágrafo 3º do artigo 26 que “a concessão ou o reconhecimento dos mecanismos de que trata o caput deste artigo é condicionada ao cumprimento da obrigação prevista no art. 25”. Em outras palavras, apenas os que prestarem as informações teriam acesso aos ainda obscuros benefícios do banco estatístico governamental sobre serviços e intangíveis.

Diante da quantidade enorme de lacunas que circunda estes dois artigos, dispõe o artigo 27 da Lei nº 12.546/2011 que “o Ministério da Fazenda e o Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior emitirão as normas complementares para o cumprimento do disposto nos arts. 24 a 26 desta Lei”.

Embora, como se vê do que foi dito acima, não se possa esclarecer muita coisa sobre a nova obrigação que se atribui aos contribuintes, é possível destacar alguns pontos. Primeiro, que o administrador, sempre ávido por informações e estatísticas, criou mais um dever instrumental burocrático para os contribuintes em geral, sem apresentar claramente qual sua finalidade e como isso reverterá em favor da sociedade. Segundo, que o governo está atento ao crescimento do comércio de serviços e intangíveis, facilmente identificável como um dos que mais crescem globalmente. Terceiro, que, considerando que esta nova regra tem o potencial de impactar as empresas em todos os seguimentos, e até mesmo pessoas físicas, que a previsão da nova regra passou despercebida, já que provocou praticamente nenhuma reação.

Até que sejam editados os atos regulamentares, não há o que se fazer em relação a esta nova obrigação. Contudo, é hora de refletirmos se é mais uma obrigação formal o que o Brasil precisa para crescer, ou seja, se os fins estatísticos justificam os meios. Resta-nos torcer para que a lógica da praticidade ilumine os agentes públicos a quem tocar regulamentar esta parte da Lei nº 12.546/2011.

Sérgio André Rocha é sócio de Consultoria Tributária da Ernst & Young Terco e professor visitante da Universidade do Estado do Rio de Janeiro.

Fonte: InvesteNE

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