O Congresso Nacional editou no fim do ano ano passado a Lei Complementar nº 138, de 29 dezembro, cujo escopo único consistiu na alteração de preceitos normativos relacionados ao uso de créditos no âmbito do princípio constitucional da não cumulatividade tributária, aplicável ao ICMS presentes na chamada “Lei Kandir” – Lei Complementar nº 87, de 2.996 que prescreve a respeito de normas de abrangência nacional de observância obrigatória pelos Estados e pelo Distrito Federal quando do exercício das respectivas atividades legiferantes concernentes ao ICMS.
Explicitando ainda mais as inovações legislativas introduzidas pela Lei Complementar nº 138, é correto concluir que a legislação postergou a possibilidade do creditamento em benefício dos “sujeitos passivos tributários” do ICMS nas situações descritas no artigo 33 da Lei Kandir: i. recebimento de mercadorias destinadas ao uso ou consumo de estabelecimentos; e ii. entrada de energia elétrica quando não for objeto de operação de saída de energia elétrica, quando tal energia elétrica não for consumida no processo de industrialização ou quando o consumo da energia elétrica não resultar em operação de saída ou prestação para o exterior.
Denota-se (de conformidade com a acima aludida Lei Complementar nº 138) a impossibilidade da fruição do creditamento em questão para os “sujeitos passivos tributários” do ICMS até 31 de dezembro de 2019 – dentre outras – em pelo menos uma situação muito frequente no cotidiano das empresas, qual seja, a aquisição, por uma determinada empresa, de mercadorias destinadas ao seu uso e consumo.
É correto concluir que a legislação postergou a possibilidade de uso dos créditos Não obstante os questionamentos que possam ser feitos quanto à própria legalidade em sentido amplo da impossibilidade de imediata fruição do creditamento nas hipóteses elencadas pelo art. 33 da Lei Complementar nº 87 – em razão de tais hipóteses não se compaginarem com as únicas exceções constitucionalmente permitidas ao pleno desfrute do princípio da não cumulatividade tributária aplicável ao ICMS previstas no Inc. II do parágrafo 2º do art. 155 da Constituição Federal ou em função do aludido art. 33 não possuir base constitucional para as restrições temporais ao creditamento sob análise – o disposto na alínea “c” do inc. XII do parágrafo 2º do art. 155 da CF não teria o condão de delegar à legislação infraconstitucional a possibilidade de instituir novas hipóteses restritivas ao pleno desfrute do princípio em comento afora àquelas constantes no já mencionado Inc. II do parágrafo 2º do art. 155 da CF -, é crível questionar-se a correta abrangência das referidas hipóteses.
Em outras palavras – e utilizando agora a regra restritiva ao imediato creditamento consubstanciada na diretriz de que somente darão direito de crédito as mercadorias destinadas ao uso ou consumo do estabelecimento nele entradas a partir de 1º de janeiro de 2020 -, indaga-se se tal possibilidade de creditamento para as mercadorias entradas nos estabelecimentos somente a partir daquela data também seria aplicável acaso tais mercadorias fossem consideradas imprescindíveis para a própria manutenção da atividade operacional de um dado estabelecimento adquirente.
O Superior Tribunal de Justiça (STJ), ao analisar uma lide equiparável à situação hipotética apresentada acima, concluiu que: “… creditamento de ICMS na aquisição de combustíveis e lubrificantes. sociedade empresária prestadora de serviços de transporte. Bens que se caracterizam como insumo necessário à prestação do serviço… 2. A jurisprudência do STJ tem reconhecido o direito das prestadoras de serviços de transporte ao creditamento do ICMS recolhido na compra de combustível, que se caracteriza como insumo, quando consumido, necessariamente, na atividade fim da sociedade empresária… 3. Ante o objeto social da sociedade empresária recorrente, deve-se reconhecer que os combustíveis e lubrificantes são insumos necessários à prestação do serviço de transporte fluvial, e não bens de simples uso e consumo, como tem interpretado a administração tributária estadual.
Nesse caso, o recurso ordinário foi provido para reconhecer o direito da impetrante ao creditamento do ICMS referente a combustíveis e lubrificantes que utilizou na prestação do serviço de transporte fluvial (Recurso em Mandado de Segurança nº 32.110/PA. 1ª Turma do Superior Tribunal de Justiça. Rel. Min. Benedito Gonçalves. Votação unânime. Data do julgamento: 21/09/10).
O julgado em questão é muito importante porque enfatiza a não aplicação – em relação às prestadoras de serviços de transportes que adquirem combustíveis e lubrificantes para consecução da respectiva atividade-fim e que, portanto, podem/devem considerar tais combustíveis e lubrificantes como insumos e não como meros bens de uso e consumo – da regra restritiva de creditamento prevista no Inc. I do art. 33 da Lei Complementar nº 87; além de se constituir em um fundamental precedente para discussões semelhantes. Um exemplo é a discussão quanto à imediata possibilidade de creditamento na aquisição de energia elétrica – por empresa não equiparada à industrial – utilizada para fins de iluminação do próprio ambiente de trabalho.
Marcelo F. Del Fiorentino
Fonte: Valor Econômico