O problema das compensações tributárias

Nas últimas semanas, representantes do governo Federal expressaram seu descontentamento com as sucessivas quedas de arrecadação de tributos federais. Em seguida, como que numa tentativa de preparar o terreno, representantes da Receita Federal vêm argumentando publicamente que as empresas no Brasil têm muita liberdade para efetuar compensação de créditos tributários, numa clara ofensa ao princípio da indisponibilidade do interesse público. Nada mais falacioso do que esses argumentos e nada mais previsível do que a queda de arrecadação para quem possui um conhecimento mínimo do sistema tributário brasileiro.


Nosso sistema está calcado na antecipação máxima de receitas tributárias para atender à sempre crescente despesa pública. Com o PIS/Cofins e o IPI, o governo federal arrecada desde a primeira etapa da cadeia de produção de um determinado bem, mesmo sem saber se o destino final deste será uma operação isenta daqueles tributos, como por exemplo se for destinado à exportação. Verificada a exportação do bem, o governo tem a obrigação de devolver os tributos cobrados nas etapas anteriores. Imagine-se uma empresa que exporta 50% de sua produção, cuja receita líquida mensal seja R$ 100 milhões e cuja margem de lucro seja 20%. Como a alíquota do PIS/Cofins é de 9,25%, os créditos obtidos nas aquisições de insumos utilizados na produção somaram R$ 7,4 milhões e os débitos das contribuições foram de R$ 4,63 milhões – já que 50% das vendas estão isentas. Pela sistemática atual, a empresa utiliza os créditos das aquisições para abater dos débitos das vendas, mas ainda lhe sobram R$ 2,78 milhões em créditos.


Não se trata, aqui, de créditos fictícios como o famigerado crédito-prêmio do IPI, que merecidamente foi afastado por decisão recentíssima do Supremo Tribunal Federal (STF), mas sim de créditos decorrentes de tributos efetivamente pagos a maior à Receita Federal, em dinheiro. Em muitos países, uma empresa que apurasse um crédito tributário como esse, decorrente de exportações, receberia imediatamente a devolução em dinheiro. Não no Brasil. Após três meses de acúmulo de créditos, porém, magnanimamente a legislação permite à empresa utilizar seu saldo de créditos acumulados de PIS e Cofins para pagar outros tributos federais devidos.


Dirá o incauto, então, que a empresa passa a ter ampla liberdade de compensação de seus créditos. Não exatamente. Não poderá utilizá-los para pagar seu débito de contribuição ao INSS sobre a folha de pagamento. Também não poderá utilizar seus créditos para pagar tributos devidos na importação de seus insumos. Tampouco poderá transferi-los para empresas do mesmo grupo que teriam condições de absorvê-los. Assim, fica a empresa na esdrúxula situação de ter que tomar financiamento bancário com juros elevados para pagar seus débitos tributários enquanto o credor – e devedor ao mesmo tempo – lhe diz para aguardar o surgimento de outros débitos para utilizar seus créditos e, para piorar, pelo valor histórico.


A sistemática de arrecadação do imposto de renda não é muito diferente. Durante o ano a empresa é obrigada a calcular mensalmente o lucro auferido no período e efetuar o pagamento das antecipações de imposto de renda. Se o cenário econômico piora e a empresa passa a acumular prejuízos naquele ano (como aconteceu a partir de setembro do ano passado), também não terá a empresa a devolução em dinheiro dos valores que antecipou à Receita Federal. Poderá compensá-los com outros tributos federais devidos, se houver.


A previsibilidade da queda de arrecadação ao menor soluço econômico era patente se considerarmos que os maciços investimentos direcionados ao Brasil nos últimos anos aumentam a arrecadação no ano em que são realizados – PIS/Cofins na aquisição de máquinas, equipamentos e serviços – e a diminuem quando os créditos de PIS/Cofins sobre a depreciação são aproveitados. Não há espaço aqui para debater a desastrosa ineficiência econômica causada pela imposição de tributação na realização de investimentos produtivos, mas o fato é que o cenário de alto crescimento econômico dos últimos anos gerou recordes de arrecadação e escondeu a face perniciosa do sistema. Bastou uma leve recessão para escancarar o problema e gerar uma crise no governo federal.


Infelizmente a solução não foi aquela aguardada pelos setores da nossa sociedade que lutam não só pela modernização da administração pública através da redução da despesa como também pela modernização do sistema tributário através da desoneração dos investimentos produtivos. Preferiu-se culpar a empresa que paga tributos antecipadamente e que é obrigada a fazer tortuosa ginástica para recuperar via compensação o dinheiro que lhe deveria ser entregue sem qualquer embaraço. Vociferam que a empresa tem ampla liberdade para declarar seu crédito para compensá-la com tributos devidos e que só resta à Receita fiscalizar a posteriori sua legitimidade. Ora, quando o contribuinte declara o débito, e assim é feito para a maioria dos tributos, sua palavra é digna de fé, quando declara um crédito não. Além disso, para que serviram os milhões de reais investidos pelas empresas para adaptar seus sistemas e processos ao SPED Fiscal, que prevê o envio de informações detalhadas sobre todas e cada uma de suas transações de compra e venda de bens e serviços? A Receita Federal recebe da empresa o número das notas fiscais, nome dos fornecedores ou clientes, descrição da mercadoria, valor total, valor dos tributos, alíquotas etc. Onde estão os supercomputadores da Receita? A dar crédito às informações divulgadas na mídia, em poucas horas a Receita tem condições de cruzar as informações da empresa que apresentou um pedido de compensação com a de seus fornecedores para confirmar a legitimidade dos créditos.


Se quisermos que o Brasil volte a crescer e entre para a liderança das economias desenvolvidas, será fundamental endereçar adequadamente o tratamento dispensado às empresas que veem seus fluxos de caixa significativamente impactados pela irracionalidade de um sistema que oficializa o “devo, não nego, pago quando puder (fiscalizar)”.


Eduardo Sampaio Dória

Fonte: Valor Econômico

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