Setores da sociedade civil, especialmente vinculados às atividades fiscais e tributárias, têm se debruçado sobre a necessidade de uma Lei Orgânica do Fisco, sobretudo em face da imperiosa fragilidade dos órgãos da Administração Tributária e das atividades dos Auditores-fiscais.
A preocupação com a definição de um modelo organizacional que outorgue capacidade de decisão de suas próprias políticas, seus próprios serviços e recursos, enquanto carreira de estado, tem sido o grande foco desses debates, seja na esfera federal, estadual ou municipal.
A história demonstra a existência de uma reação de diversos segmentos no sentido de manter a sonegação e a corrupção investindo, inclusive, contra a própria atividade dos auditores fiscais no sentido de fragilizá-las, o que mereceu o repudio das associações de classe (ANFIP, FENAFISP, UNAFISCO, SINAIT, FEBRAFITE, FENAFISCO e FENAFIM), que sempre lutaram pelo fortalecimento das prerrogativas dos auditores-fiscais e dos próprios órgãos de arrecadação e fiscalização.
Buscar a uniformização de tratamento para os órgãos e carreiras de todas as unidades da federação é justo e legítimo, mas não se pode deixar à margem desse processo o respeito às garantias constitucionais e legais dos cidadãos-contribuintes e a necessidade de reforma do modelo tributário.
O grande desafio é promover a defesa de uma Lei Orgânica do Fisco desapaixonada do viés inerente às questões corporativas, deixando-se bem claro que prerrogativas não configuram privilégio e nem que a concessão da autonomia administrativa, funcional, financeira e orçamentária possa ser a senha à criação de um Estado policial fiscal.
A democracia e a cidadania não caminham juntas com o abuso de poder. Pelo contrário.
A composição da Administração Tributária, suas competências, seus recursos prioritários para o desenvolvimento e aprimoramento da atividade fiscal não pode esvaziar o conteúdo normativo-teleológico dos princípios constitucionais e legais assegurados pelo ordenamento jurídico ao cidadão-contribuinte.
As carreiras tipicamente de Estado e, no particular, aquelas que envolvem o aspecto fiscal-tributário, lidam diuturnamente com milhões, ou mesmo bilhões de reais, e devem se preocupar com a preservação de instrumentos que promovam melhor distribuição de renda, crescimento econômico, elevação dos postos de trabalho e, enfim, aprimoramento da máquina estatal de modo a alcançar o correto equilíbrio entre a exação tributária e a justiça social.
A ação fiscal deve estar livre de ingerência política, pois o papel do auditor-fiscal não comporta transação com a coisa pública, ou mesmo subserviência a esse ou aquele Governo.
Se há abuso ou excesso de poder, esse deve ser combatido com todos os mecanismos existentes no ordenamento jurídico, assegurando-se ao infrator os postulados do devido processo legal, da ampla defesa e o contraditório
A atividade do auditor-fiscal envolve risco, e nos últimos anos morreram mais auditores-fiscais em serviço combatendo a corrupção e a sonegação do que delegados da Polícia Federal ou servidores de qualquer carreira de nível superior do serviço público federal.
Neste item, é importante destacar que ao auditor-fiscal cabe uma das funções mais complexas do Estado: a de zelar por um patrimônio que é de todos. Suas funções, por isso mesmo, estão longe de se esgotar em atos burocráticos e mecânicos, e exigem zelo e profunda consciência do alcance social do ofício.
O fortalecimento da Administração Tributária como órgão responsável pela fiscalização e arrecadação já se revela presente nos dias atuais, e basta lembrar que as principais operações desencadeadas pela Polícia Federal, desmantelando redes de corrupção, foram iniciadas na Receita Federal por meio de sua inteligência fiscal, em que o auditores são peças-chaves.
A sociedade clama cada vez mais por órgãos técnicos, impessoais e livres de interferências de ordem diversas, pois a coisa pública exige de seus administradores e gestores o máximo de respeito. Servidor público, na gênese da expressão, tem de servir à sociedade, e não a vontade do “xerife” de plantão.
Estabelecer composição da Administração Tributária, competências de cada órgão, garantias, prerrogativas, deveres, proibições a seus integrantes representa importante missão no Estado Constitucional e Democrático.
É o ‘discrímem’ do exercício de determinadas funções que traz consigo a necessidade de estabelecimento de prerrogativas, como aquelas outorgadas aos membros da magistratura, do ministério público e da advocacia, pois a democracia assim o exige em benefício do cidadão, não sendo diferente em relação aos fiscais da Administração Tributária.
O trato com a coisa pública não admite que o servidor se acovarde e nem possa sofrer qualquer tipo de represália que lhe retire a liberdade profissional, pois a promoção da justiça social e a equânime distribuição de renda, geração de emprego, e a preservação da estabilidade econômica exigem o exato cumprimento do plexo teleológico-normativo definido pela Carta da República.
A Administração Tributária não deve se limitar à simples arrecadação de valores, posto que os tributos devem cumprir com sua função arrecadatória e com sua função social simultaneamente, deixando de lado a caricatura que sempre lhe foi imposta de ser apenas como instrumento de receita do Estado.
Apesar de a arrecadação ser, por si só, relevante, na medida em que garante os recursos financeiros para que o Poder Público bem exerça seu mister, a verdade é que, pouco a pouco, descobriu -se outra faceta não menos importante na tributação, que é o da busca da justiça social, que não pode passar, repete-se, pelo constante aumento da carga tributária.
Aliás, o cidadão brasileiro vem pagando a expansão do gasto público, sobretudo o custo do endividamento, e por isso exige limites na arrecadação, controle dos gastos e dos investimentos realizados pelo Estado., o que somente um órgão independente e com claras balizas de Estado e não de governo pode permitir, contribuindo-se, assim, à transparência na gestão e maturidade democrática.
Se a carga tributária é elevada, exige-se que a contraprestação de serviços precisa ser qualificada.
Se há transferência de expressivos recursos da economia para as contas públicas, não se pode descuidar que tal medida enfraquece o investimento e reduz o consumo.
Ora, o não cumprimento da função social do tributo gera uma grave disfunção social, inibindo o setor privado, desestimulando a economia, gerando menos emprego, enfim, evitando o crescimento e o desenvolvimento do cidadão e conseqüentemente da sociedade, e isso compromete por muitos anos o crescimento futuro da economia.
Lembramos que o Estado não é um fim em si mesmo, mas um instrumento de organização da sociedade. Ela é a soberana, não o inverso.
Portanto, o mesmo rigor que se estabelece na cobrança de impostos precisa haver na prestação de contas.
A luta por justiça e transparência tributária é, para a cidadania brasileira, tão relevante quanto a luta contra a ditadura.
Sem justiça tributária não há democracia, desenvolvimento ou justiça social.
Desenvolvimento econômico não é apenas crescimento econômico e nem tampouco distribuição de riqueza. Pressupõe a distribuição dessa riqueza em favor do bem-estar social e a participação da sociedade.
O tributo deve constituir como instrumento de política econômica conjuntural e estrutural e, portanto, ferramenta indispensável no Estado contemporâneo.
A justa repartição do total da carga tributária entre os cidadãos é imperativo ético para o Estado Democrático de Direito.
A política fiscal tem de ser política de justiça e não mera política de interesses. O legislador fiscal não pode editar leis de qualquer maneira. Deve observar os princípios de justiça fiscal, pois só assim é que promoverá a justiça social.
Com essas reflexões, encerro enaltecendo a iniciativa de se discutir sobre uma Lei Orgânica do Fisco que seja comprometida com a sociedade e não com interesses corporativos.
Fonte: OAB-DF