Os créditos não listados na recuperação judicial

Nos últimos dez anos, o tratamento dos credores não listados na recuperação judicial vem gerando questionamentos. Isso porque a 2ª Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ), em 2011, no Conflito de Competência nº 114.952/SP, entendeu que o credor não arrolado na relação de credores não está obrigado a promover a habilitação do seu crédito na recuperação judicial, mesmo sendo ele concursal (artigo 49, LRE), por se tratar de medida facultativa ao credor, tendo o constado no julgado que “caso decida aguardar o término da recuperação para prosseguir na busca individual de seu crédito, é direito que se lhe assegura”, o que gerou interpretação no sentido da possibilidade de prosseguimento da execução individual fora das condições do plano de recuperação judicial homologado pelo juízo recuperatório.

Esse precedente acabou sendo replicado como paradigma pela jurisprudência, mesmo abordando a questão em caráter perfunctório e fora do escopo do conflito.

Em abril, a 2ª Seção do STJ enfrentou novamente a matéria, agora em sede de recurso especial (REsp nº 1.655.705/SP), tendo analisado a questão, agora, com profundidade e acuidade, em acórdão publicado em 25 de maio, de relatoria do ministro Ricardo Villas Boas Cueva, que contou com votos vista e vogal dos ministros Marco Aurélio Bellizze e Luis Felipe Salomão, respectivamente.

Confirmou-se o entendimento de que a habilitação constitui uma faculdade do credor tendo em vista a disponibilidade do seu direito de crédito, sendo apontado que o STJ não possuía posição consolidada no sentido de admitir a possibilidade de prosseguimento de execução individual após o encerramento da recuperação judicial, já que os julgados que assim se posicionaram se limitaram a se pautar no Conflito de Competência nº 114.952/SP que, pelos limites de cognição, apenas tangenciou o tema, que fugia do seu objeto.

A 2ª Seção adentrou na questão envolvendo os créditos voluntariamente excluídos do plano de recuperação judicial pelo devedor, tratada no Recurso Especial nº 1.851.692/RJ, de relatoria do ministro Luis Felipe Salomão, diferenciando-a do caso de credores excluídos singularmente da relação de credores pela recuperanda.

Em relação ao primeiro caso, entendeu-se que os credores das classes ou subclasses excluídas voluntariamente do plano pela recuperanda e que, assim, mantiveram hígidas as condições originais de pagamento dos seus créditos na forma do artigo 49, parágrafo 2º da Lei nº 11.101/2005, devem ser pagos normalmente durante o curso da recuperação judicial. Por conta disso, entendeu-se que tais credores não possuem interesse em se habilitar, já que sequer poderão votar o plano.

Quanto aos credores excluídos singularmente da relação de credores, entendeu-se não ser possível conferir aos mesmos “a possibilidade de habilitarem ou não seus créditos no procedimento ou prosseguirem com a execução individual posteriormente pelo valor integral do crédito corrigido e acrescido dos encargos legais”. Entendeu-se que o credor não listado na relação de credores ou no quadro geral de credores não pode se valer de tal faculdade para deixar de se habilitar e buscar o recebimento integral do seu crédito em execução individual, já que isso pode “esvaziar o propósito da recuperação e propiciar a ocorrência de fraude” e os artigos 49 e 59 da Lei nº 11.101/05 impõem os efeitos da recuperação judicial e da novação do plano homologado a todos os credores, independentemente de estarem habilitados ou não.

Assim, a 2ª Seção do STJ conferiu novo tratamento jurídico aos credores não listados na recuperação judicial, estabelecendo para os mesmos duas possibilidades que impedem recebimento do crédito fora das condições do plano homologado. Uma é habilitar o seu crédito, na forma da Lei nº 11.101/05, até o encerramento da recuperação judicial, para assim integrar o quadro geral de credores e, consequentemente, receber na forma do plano. A segunda possibilidade é ajuizar novo cumprimento de sentença tendo por objeto a sentença concessiva da recuperação judicial, postulando, assim, o recebimento do seu crédito na forma do plano de recuperação judicial novado.

O julgado entendeu que, uma vez concedida a recuperação judicial, a execução individual manejada pelo credor deve ser extinta, não podendo o credor dar prosseguimento à mesma ainda que para postular seus créditos nas condições do plano de recuperação judicial homologado, pois, em tal hipótese, o objeto da execução passa a ser a sentença concessiva da recuperação judicial e o plano de recuperação judicial e não mais o título executivo originário.

Em que pese o acórdão pender de trânsito em julgado, ante a oposição de embargos de declaração em que se busca a inversão da sucumbência, sua essência mostra-se hígida dado o profundo e ponderado enfrentamento da matéria que passa a seguir uma linha uniforme no sentido de se impor a extinção da execução individual em qualquer hipótese, estando o credor listado, ou não, na relação de credores (ou QGC), conferindo-se, assim, uma maior estabilidade, eficiência e segurança jurídica às partes envolvidas na recuperação judicial.

Armando Roberto Revoredo Vicentino é mestrando em Direito de Empresa pela UERJ, pós-graduado pela FGV e Ibmec, advogado especialista em administração judicial de recuperações judiciais e falências

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Fonte: Valor Econômico.

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