Os impactos do novo conceito de paraíso fiscal

A Lei Federal nº 11.727, em vigência desde janeiro deste ano, modificou drasticamente a lei brasileira que regulamenta o preço de transferência. O conceito de países com tributação favorecida, popularmente conhecidos como paraísos fiscais, foi ampliado. A partir de agora, estão também incluídos aqueles países ou dependências cuja legislação não permita o acesso a informações relativas à composição societária e à identificação do beneficiário efetivo de rendimentos atribuídos a não residentes.


Outra modificação diz respeito à aplicação das regras de preço de transferência para operações realizadas em regime fiscal privilegiado, que é definido como aquele que não tribute a renda ou a tribute à alíquota inferior a 20%; conceda vantagem de natureza fiscal a não residente sem realização de atividade substantiva; tribute a renda a uma alíquota máxima de 20% nos rendimentos auferidos fora do seu território ou não permita acesso a informações relativas à composição societária.


A Receita Federal não editou ainda uma nova lista negra ou se pronunciou sobre sua edição. A lei em vigência, portanto, gera grande insegurança aos contribuintes brasileiros. Quais países e jurisdições são paraísos fiscais? Qual é a extensão da aplicação desses novos conceitos?


Uma das poucas certezas que existe, até o momento, é que as mudanças trazidas impactam, de forma preocupante, na relação comercial de empresas brasileiras com as sociedades norte-americanas. A estrutura societária conhecida por Limited Liability Company (LLC), constituída no estado de Delaware, nos Estados Unidos, tem sido alvo de grande polêmica. Muitas operações, disfarçadas de importação e exportação com o objetivo de evitar o pagamento do Imposto de Renda e da Contribuição Social sobre o Lucro, foram realizadas utilizando-se dessa estrutura. Contudo, o novo conceito engloba várias outras sociedades norte-americanas. O resultado é que transações lícitas realizadas por empresas brasileiras com tais sociedades podem ser oneradas, extrapolando, certamente, a intenção do legislador de impedir a realização de operações que visam a evasão tributária.


O sistema jurídico norte-americano diferencia-se substancialmente do sistema jurídico brasileiro. As principais características do primeiro que dizem respeito à questão aqui abordada são: o sistema é “common law”, isto é, decisões dos tribunais superiores devem ser respeitadas e seguidas pelas instâncias inferiores que detêm sua jurisdição; as questões relativas ao direito societário são reguladas por cada estado; as decisões das ações civis, em regra, são proferidas por um júri; os juízes são eleitos; a renda é tributada pelos estados e também em nível federal e a sociedade pode ser constituída em um Estado, manter seu principal estabelecimento em outro e ser tributada somente no estado de sua constituição. Sendo assim, a escolha do lugar da constituição de uma sociedade decorre da análise de diversos fatores, tais como legislação societária do estado, redução das responsabilidades dos administradores e sócios, estratégias tributárias favoráveis, dentre outros.


Na maioria dos casos, os estados norte-americanos não requerem e, por conseguinte, não permitem o acesso ou não disponibilizam a terceiros informações sobre a identidade dos sócios, apesar de não existir qualquer sigilo desses dados. O pagamento de dividendos para os acionistas deve ser reportado para as autoridades americanas competentes no que concerne às pessoas físicas. Entretanto, essas informações não estão disponíveis para terceiros.


É nessa categoria que se enquadram os Estados norte-americanos que concentram o maior número de empresas: Delaware e Nova Iorque. Neles, não é possível acessar informações sobre os acionistas, tanto no caso das LLCs quanto das corporations – equivalente às sociedades anônimas brasileiras -, pois estes dados não são requeridos pelos órgãos americanos competentes quando da constituição das sociedades. Além disso, em relação às LLCs a renda não é tributada pelo estado ou em âmbito federal. A exceção fica a cargo da “public corporation” (sociedade de capital aberto) registrada perante a Securities and Exchange Commission (SEC), que disponibiliza a identidade de todo acionista que detém mais de 5% do capital ou que ocupa cargo de administração.


Atualmente, estão sediadas em Delaware mais de 50% das 500 maiores empresas do mundo. A escolha por este Estado decorre de uma série de fatores, dentre os quais se destacam: a legislação societária é extremamente flexível e avançada, facilitando de forma significativa a administração da empresa; o Estado tem um tribunal – Delaware Court of Chancery – de 215 anos, dedicado somente à análise de casos relacionados ao direito empresarial que conta com um grande repertório de cases referenciados pelas demais cortes; as decisões não são proferidas por júris, mas por juízes, sendo redigidas e de fácil leitura; os juízes são indicados por mérito e há isenção do imposto de renda de Delaware para as empresas que não exercem suas atividades no estado.


Infelizmente, o legislador brasileiro, mais uma vez, editou uma lei sem uma análise cautelosa de suas consequências jurídicas para aquelas empresas que praticam suas atividades estritamente em consonância com a legislação. Apesar de muitas LLCs do Estado de Delaware serem comumente utilizadas para fraude à legislação brasileira, é inquestionável que há uma grande concentração de empresas idôneas nesse Estado.


Diante de tantos questionamentos gerados pela nova legislação torna-se urgente o pronunciamento da Receita Federal. Espera-se que essa autarquia, ao contrário do nosso legislador, analise criteriosamente os efeitos jurídicos da nova lista negra. Dessa forma, seriam evitados possíveis abalos em importantes relações diplomáticas e prejuízos para empresas brasileiras e americanas que primam pela legalidade e licitude.


Paula Andrade R. Chaves

Fonte: Valor Econômico

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