Os riscos das importações no Brasil

Recentemente, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu, por unanimidade, que o crime de descaminho – em que a mercadoria entra no país sem o devido recolhimento dos impostos – tem natureza tributária. Os ministros reconheceram que o pagamento dos tributos antes da denúncia extingue a sua possibilidade de punição.

A decisão é louvável, pois põe uma pá de cal na discussão jurisprudencial que envolve o tema. No entanto, não tratou da causa das autuações envolvendo importações supostamente irregulares e denúncias de descaminho, restringindo-se a tratar da confusão gerada pela imprecisão e complexidade da legislação, que cria diferentes entendimentos por parte das autoridades fiscais.

Existem três modalidades de importação: por conta própria, por conta e ordem e por encomenda. Todas suscetíveis a interpretação. Importar no Brasil é uma tarefa das mais arriscadas, ainda que, paradoxalmente, sejamos um país bastante dependente de produtos e serviços importados.

Na modalidade de importação por conta própria, o importador assume o risco do negócio e faz a aquisição das mercadorias no exterior, arca com os custos referentes à importação e vende as mercadorias no mercado interno a quem quiser.

Quando se fala em conta e ordem, um terceiro contrata o importador para lhe prestar um serviço de nacionalização das mercadorias e arca com os custos referentes à importação. Cabe ao terceiro dizer o que quer, quando quer e suportar todos os custos para tanto, adiantando recursos para o importador fazer as compras.

Já no caso da importação por encomenda, o importador é contratado por um terceiro, faz a aquisição das mercadorias com recursos próprios – podendo fechar o negócio no exterior ou não – e as revende para este mesmo terceiro.

A principal diferença fiscal dessas modalidades está na carga tributária do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), que também será devido pelo terceiro em caso de importações por conta e ordem e por encomenda.

Cada uma dessas sistemáticas tem inúmeras variáveis, cujas operações podem ser, regular ou irregularmente, descaracterizadas pelo Fisco. Quando isso ocorre é aplicada multa equivalente ao valor da mercadoria importada e são feitas acusações de interposição fraudulenta ou ocultação de real adquirente – ilícitos fiscais que, na esfera penal, geram a acusação de crime de descaminho.

Quando não existia a modalidade de importação por encomenda (criada em 2006), a insegurança era maior. As empresas que eram contratadas para importar determinada mercadoria informavam à Receita Federal que estavam promovendo uma importação por conta própria, já que arcavam com os custos da importação e baseavam seu ganho na diferença entre o valor de compra, mais custos, e o valor de revenda das mercadorias, ainda que a venda fosse efetuada para pessoa já pré-determinada.

No entanto, o Fisco passou a entender que o simples fato de não identificar o terceiro para o qual a mercadoria seria revendida era fraude – mesmo que todos os custos da importação fossem arcados pelo importador -, gerando inúmeras autuações fiscais e processos criminais de descaminho.

O quadro ficou ainda pior porque, por muito tempo, os auditores fiscais também argumentavam que qualquer valor adiantado oferecido como forma de garantir o negócio – transação comercial, devidamente regulada pelo Código Civil – seria antecipação de recursos para o importador, fato que enseja a aplicação da presunção legal de importação por conta e ordem de terceiros e aplicação das já citadas penalidades. O espectro de negócios corriqueiros que sujeitariam os contribuintes a atuações é assombroso, indo desde casos de equipamentos necessários à manutenção da vida de pessoas até carros e outros bens de consumo.

A decisão do STF é positiva e pedagógica, a um só tempo. Positiva porque indica que a caracterização do descaminho não depende de meras conjecturas e ilações do Fisco. A comprovação de que as partes envolvidas atuaram intencionalmente com o objetivo de deixar de pagar tributos é indispensável; pedagógica na medida em que permite àqueles que participam do comércio exterior seguir com seus negócios menos receosos de serem surpreendidos por interpretações tendenciosas cujo objetivo é apenas incrementar a arrecadação.

Não se pode confundir dolo com um suposto erro causado por incertezas e decorrente de interpretações contraditórias das autoridades fiscais. Mais do que isso: não se pode confundir a prática de negócios legais e usuais com estruturas cujo objetivo é pagar, ilicitamente, menos tributos.

O STF vem absolvendo os contribuintes em situações em que se tornaram vítimas de um sistema confuso, como nos casos de guerra fiscal. A decisão a respeito dos crimes de descaminho é mais um exemplo. É fundamental que o parecer do Supremo passe, a partir de agora, a orientar as decisões futuras a respeito do tema.

Igor Nascimento de Souza e Pedro Lucas Alves Brito são advogados do Souza, Schneider, Pugliese e Sztokfisz Advogados

Fonte: Valor Econômico

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