Previdência paga benefícios que não são da conta dela

Por Allan Titonelli Nunes

O Governo Federal tem tratado o Fundo de Previdência Complementar do Servidor Público (Funpresp) como prioridade política para o país. O fundamento da proposta é a afirmação de que a previdência social das aposentadorias do setor público acumularia déficit, mas não é de hoje que o Governo tem fabricado artimanhas orçamentárias para justificar rombos na previdência.

Veja-se, como exemplo, a previdência pública. A previdência, por natureza, deve ter caráter contributivo, motivo pelo qual tudo aquilo que não houver uma retribuição pecuniária para a prestação de um serviço ou benefício não pode ter natureza previdenciária, mas não é isso o que ocorre na realidade. Há diversos benefícios pagos pelo Governo Federal que não possuem qualquer natureza previdenciária, mas que são orçamentariamente alocados na conta da previdência social.

Pode-se citar como exemplo o Benefício de Prestação Continuada da Assistência Social (BPC-LOAS) e os benefícios destinados ao segurado especial, comumente conhecido como rurícola. Nesses dois casos o cidadão fará jus a um benefício, desde que cumprido certos requisitos, sem ter feito qualquer contribuição à previdência. Essa é a prova cabal de que há benefícios evidentemente assistenciais que estão sendo pagos pelo caixa da previdência social.

A previdência complementar do servidor público está sendo discutida sem efetiva pluralização do debate, o que pode resultar em prejuízo expressivo aos servidores. Pouco se fala, por exemplo, que o Projeto de Lei 1992/07, como veio da Câmara dos Deputados, resultará na privatização da gestão dos fundos por bancos privados. O interesse político na criação do Funpresp também fica evidente pelas notícias sobre as movimentações de bastidores para nomeação de membros da administração e dos conselhos gestores.

Na administração dos fundos, há menção de composição paritária, mas se a alíquota dos servidores poderá ser maior que a paga pelo Governo Federal —imitada ao percentual de 8,5% —, deveria haver um maior número de integrantes dos servidores. Há ainda o risco de ingerências políticas na gestão, já que a composição dos conselhos administrativos não será feita de forma democrática (por votação ou meritocracia).

Outra crítica sobre o modelo proposto é a tentativa de transverter uma lógica privada para o setor público, que possui diversas peculiaridades, como o fato de o empregador pagar encargos patronais menores. Além disso, o empregado público não possui direito ao FGTS e continua contribuindo com a previdência como aposentado ou pensionista.

Há ainda outros dados que contrariam os argumentos do Governo sobre o déficit previdenciário, a saber:

1) A União custeia o pagamento de reformas e pensões dos servidores militares federais e do Distrito Federal sem que haja uma contrapartida. Importante registrar que esses segmentos representam cerca de 45% dos gastos da União com aposentadorias e pensões, o que não justifica o desequilíbrio previdenciário imputado aos servidores civis da União.

2) Após a Reforma da Previdência de 2003, a arrecadação previdenciária dos servidores civis federais tem crescido anualmente, diminuindo, consequentemente, o aporte de recursos do Tesouro, demonstrando que já há uma estabilidade no regime em debate. De outro lado, os gastos da União com o pagamento de aposentadorias e pensões dos servidores do Distrito Federal têm crescido anualmente.

3) Considerando-se todas as contribuições destinadas ao custeio da seguridade social, integrando entre elas a previdenciária, a União tem superávit anual. Somente se o Governo fizer malabarismos, como deixar de computar os valores pagos pelo empregador federal como receita (que hoje corresponde ao dobro do valor pago pelo servidor), é que se fabricariam déficits.

Esse debate é sério e importante para o país, necessitando de uma pluralização da discussão para que o Poder Legislativo possa ponderar os valores e conceitos a serem enfrentados. Por essas razões, espera-se que o Senado possa exercer seu papel com o equilíbrio que lhe é peculiar, admitindo um confronto verdadeiro das ideias.

Allan Titonelli Nunes é procurador da Fazenda Nacional e presidente do Forvm Nacional da Advocacia Pública Federal.

Fonte: Conjur

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