Luiza de Carvalho, de Brasília – “Para que você acha que temos uma família grande?” Foi o que ouviu o diretor de uma indústria de máquinas em Bauru, no interior de São Paulo, de empresários do mesmo ramo em que atua. Eles subdividiram suas empresas de grande porte em cinco ou seis unidades “filhote” – que ingressaram no Supersimples, sistema simplificado de recolhimento de tributos destinado a micro e pequenas empresas que garante a elas uma carga tributária reduzida. A prática começou agora a ser investigada no país em Bauru, em uma operação batizada de “Simples Incompatível”, organizada pela delegacia local da Receita Federal do Brasil.
A operação teve início a partir da queixa de algumas indústrias da região, que viram seu faturamento reduzir a ponto de cogitarem o encerramento de suas atividades por conta da concorrência com as novas pequenas empresas que surgiram de uma hora para outra oferecendo preços melhores pelos produtos. No fim do ano passado, a delegacia da Receita em Bauru começou a fiscalização em seis empresas de pequeno porte optantes pelo Supersimples que estariam apresentando uma discrepância entre o faturamento declarado e sua movimentação financeira. Neste ano, outras 134 empresas optantes do Supersimples foram selecionadas para investigação por estarem na mesma situação.
De acordo com o delegado da Receita Federal em Bauru, Maurício Antônio Bento, que comanda a operação, dois tipos de situações foram detectadas entre as empresas selecionadas. Na primeira delas, empresas de grande porte se travestem de pequeno porte por meio de subdivisões para poderem ingressar no Supersimples. Na segunda, empresas de pequeno porte que cresceram e extrapolaram o limite anual de renda bruta permitido no Supersimples, de R$ 2,4 milhões, deixam de declarar parte de sua receita para não terem que deixar o sistema simplificado e passar a recolher seus tributos pelo sistema do lucro presumido, cujo limite de renda bruta anual é de R$ 48 milhões. “Não tenho conhecimento de outras operações similares pelo país, mas penso que a iniciativa de Bauru pode se tornar uma estratégia nacional”, diz Bento. Procurada pelo Valor, a Receita Federal dio Brasil preferiu não se manifestar a respeito.
Criado em 2006 pela Lei Complementar nº 123, o Supersimples passou a vigorar em 2007 permitindo que micro e pequenas empresas que ingressem no sistema apurem e recolham outro tributos de forma unificada, a uma alíquota global que varia de 4% a 17,42% sobre sua receita bruta, conforme o setor de atuação e o faturamento da companhia. Com uma carga tributária menor, elas conseguem oferecer preços competitivos aos seus produtos e concorrer com empresas de maior porte.
Em Bauru, a vantagem competitiva se tornou atrativa também para grandes empresas, que, impossibilitadas de ingressarem no Supersimples, se tornaram “menores” para serem também beneficiadas pela tributação diferenciada, segundo a investigação do fisco. Carlos Alberto Keidel, diretor da Indústria de Máquinas Miruna, que atua no ramo de arames e grampos para uso industrial, calcula que perdeu 90% do faturamento no mercado do interior de São Paulo nos últimos dois anos em função dessa prática. Segundo Keidel, a empresa, localizada em Bauru há 60 anos, tem sobrevivido de exportações, hoje afetadas pela crise. “Desde a existência do Supersimples nos tornamos mais competitivos nos Estados Unidos do que no Brasil”, diz. Keidel afirma que as vendas mais atingidas foram as realizadas para clientes de pequeno porte, que passaram a preferir comprar de optantes do Supersimples pela menor carga de tributos embutida no preço dos produtos – os impostos diretos no ramo de grampos para a fabricação de sofás somam uma carga tributária de 22%, pagos por empresas que recolhem tributos pelo sistema do lucro real. Já uma empresa optante do Supersimples do mesmo setor é tributada em 9% sobre seu faturamento, percentual que praticamente não é embutido na venda dos produtos.
A empresa Ciclotron Indústria Eletrônica, também com sede em Bauru, passa pela mesma situação. A carga tributária para o setor, incluindo impostos diretos e destinados à Previdência, é de 42% para as empresas não-optantes do Supersimples e de 12% para as incluídas no sistema. Assim, de acordo com Edson Gandolfi Torres, diretor da empresa, diversas indústrias do ramo eletrônico passaram a se dividir para poderem optar pelo sistema simplificado. O problema, segundo ele, é que tratam-se de empresas com mais de 100 produtos em linha, rede de assistência técnica em todo o país e maciço investimento em propaganda. “O governo não levou em conta que a lei do Supersimples seria transformada em uma lei de Gérson”, diz Torres.
Fonte: CFC – Conselho Federal de Contabilidade