Receita Federal analisa pela primeira vez a tributação dos marketplaces

A Receita Federal do Brasil (RFB) analisou, pela primeira vez, a tributação das operações de um marketplace. O assunto é relevante e atual. Como sabemos, a pandemia de Covid-19 trouxe muitas mudanças nos hábitos de consumo e, como consequência disso, os marketplaces tiveram um importante crescimento dentro do comércio virtual.

De acordo com dados disponibilizados pela Associação Brasileira de Comércio Eletrônico (Abcomm), durante o ano de 2020 os marketplaces foram responsáveis por 51% de todo o faturamento com vendas on-line, o que representa um crescimento de 68% com relação ao ano anterior.

Junto com os chamados e-commerce, os marketplaces fazem parte do comércio eletrônico. Apesar dos dois modelos de negócios serem lojas online, o funcionamento de cada um possui peculiaridades relevantes que impactam a forma de operação, e no que interessa ao presente artigo, à tributação aplicável a cada um dos casos.

A principal diferença é que o e-commerce suporta apenas um único vendedor (ou seller), o proprietário da loja, e o marketplace permite que vários vendedores (sellers) ofereçam seus produtos na mesma plataforma. Em outras palavras, o marketplace é como se fosse uma grande vitrine em que diversas empresas expõem seus itens.

Assim, no caso dos marketplaces, o consumidor/cliente tem a possibilidade de adquirir vários produtos, provenientes de vários fornecedores, dentro de um mesmo site. O marketplace recebe o valor total dos produtos e repassa o valor devido para cada fornecedor, retendo sua comissão.

A forma e o alcance da atuação dos marketplaces pode variar caso a caso. Nesse sentido, há marketplaces que atuam ainda no processamento dos pagamentos efetuados pelos usuários e na cadeia logística de entrega dos produtos vendidos.

Em razão da crescente presença dos marketplaces nas operações realizadas pela internet, o assunto já foi inclusive objeto de regulamentação por alguns Estados que editaram normas relacionadas especialmente ao cumprimento das obrigações acessórias e ao fornecimento de informações aos Fiscos estaduais.

No caso do Estado de São Paulo, por exemplo, foi editada a Portaria CAT 31/2019 tratando das regras a serem adotadas para que o marketplace armazene as mercadorias de terceiros a serem comercializadas na sua plataforma e possa entregá-las diretamente ao cliente. Modelo similar também é previsto em outros Estados, como Paraná, Rio Grande do Sul e Pernambuco.

Nesses casos a função do marketplace não se limita a intermediar a venda entre o fornecedor e o cliente final, mas também envolve outras atividades, como armazenagem e movimentação das mercadorias, preparação dos pacotes e embalagens a serem enviados aos clientes, auxílio na emissão dos documentos fiscais e até transporte e entrega das mercadorias adquiridas por meio do marketplace.

Portanto, a gama de atividades desenvolvidas por um marketplace é ampla, o que pode gerar dúvidas quanto à forma de tributação dos valores envolvidos nessas transações.

Justamente nesse contexto que se coloca a Solução de Consulta nº 170/21 (SC nº 170/21) editada pelas autoridades federais em resposta ao questionamento formulado por uma empresa que atua no comércio eletrônico e buscava esclarecimentos acerca da definição da tributação aplicável às suas atividades, especificamente com relação à composição da base de cálculo dos tributos federais.

A dúvida apresentada dizia respeito à necessidade inclusão, na sua receita bruta, dos valores recebidos dos compradores, os quais serão posteriormente repassados a parceiros, ou apenas da comissão a ser retida em seu favor, antes do repasse dos valores devidos aos vendedores.

Ao analisar a tributação da operação descrita acima, o Fisco Federal concluiu que o marketplace atua como intermediário entre as empresas parceiras e os clientes destas, e por tal atuação recebe a comissão pactuada no contrato firmado. O marketplace recebe dos clientes a totalidade dos valores e faz o repasse aos parceiros, líquidos de sua comissão.

Nesse sentido, de acordo com as autoridades fiscais, a receita auferida pelo marketplace em razão dos serviços de intermediação prestados é composta apenas pela comissão auferida e é esse valor que passa a integrar seu patrimônio e compõe integralmente a sua receita bruta.

Já o valor recebido pelo marketplace relativo ao adimplemento da relação jurídica de compra e venda de mercadorias não compõe o preço do serviço de intermediação prestado pelo marketplace.

O Fisco esclarece, entretanto, que esse entendimento se aplica somente se estiverem bem definidas uma relação jurídica de prestação de serviço entre o marketplace e seus contratantes e outra de compra e venda de mercadorias entre os contratantes e os consumidores finais.

Essas duas relações jurídicas distintas devem estar refletidas nos contratos firmados entre as partes e nos documentos fiscais emitidos tanto pelos vendedores quanto pelo marketplace. Nesse sentido, o vendedor deverá emitir uma nota fiscal de venda do produto ao consumidor final ao passo que o marketplace deve emitir a nota fiscal referente aos serviços de intermediação com seu respectivo preço (que no caso é correspondente à comissão cobrada).

Assim, concluem as autoridades fiscais, a receita bruta do marketplace para fins de IRPJ, CSLL, PIS e COFINS não compreenderá a entrada de recursos que não lhe pertencem e que serão repassados aos terceiros, titulares da operação de venda intermediada. A receita bruta do marketplace nesse caso é composta apenas pelos valores que se prestam a remunerar os serviços de intermediação de negócios e de outros serviços que também sejam prestados pelo marketplace em benefício dos usuários, e para os quais deverá emitir a devida Nota Fiscal de Serviços.

Vale termos em mente, entretanto, que nem todas as plataformas digitais operam da mesma forma. Há plataformas que atuam apenas como marketplaces no modelo descrito e analisado pela SC nº 170/21, ou seja, somente os vendedores realizam a venda de produtos e serviços na plataforma, sem que o site que opera a plataforma realize nenhum tipo de venda direta (marketplace puro). Há, por outro lado, plataformas que além de venderem seus produtos e serviços, oferecem também, no seu próprio site, produtos e serviços de outros vendedores (marketplaces híbridos).

Além disso, há casos em que os marketplaces cobram outros valores dos seus clientes relacionados ao próprio uso da plataforma ou ainda relacionados às facilidades adicionais oferecidas como o processamento dos pagamentos ou a movimentação, armazenagem e entrega das mercadorias vendidas.

Assim, as conclusões apresentadas na SC nº 170/21 não são aplicáveis a toda e qualquer operação que envolve os marketplaces. Essa Solução de Consulta traz parâmetros importantes para a análise das atividades dos marketplaces mas para a definição da tributação aplicável é necessário analisar as atividades desenvolvidas na prática em cada caso.

As autoridades fiscais vão buscar, para cada situação, identificar a natureza jurídica das operações desenvolvidas com base nos documentos que embasam as operações dos marketplaces. Se não ficar claro que a atuação do marketplace é limitada à intermediação das partes, por exemplo, é possível que o Fisco Federal exija o recolhimento dos tributos sobre a totalidade dos valores que transitam pela plataforma (e não só sobre o valor correspondente à comissão).

Dessa forma, é importante que aqueles que atuam nesse mercado tenham especial atenção à descrição das atividades realizadas tanto nos materiais de marketing e divulgação, quanto nos contratos (inclusive nos Termos de Uso) celebrados com os usuários das plataformas.

Fonte: JOTA

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