STF pode mudar de posição sobre ICMS de leasing

Por Alessandro Cristo

A cobrança de ICMS sobre arrendamento mercantil — o chamado leasing — envolvendo importação de mercadorias pode sofrer uma reviravolta no Supremo Tribunal Federal. A posição atual é a de que o imposto não incide nesses casos, mas um julgamento iniciado no mês passado na corte e suspenso por um pedido de vista pode virar o jogo. Como o caso teve Repercussão Geral reconhecida, também pode ser a última palavra do Supremo sobre o tema, o que preocupa os tributaristas. Se a situação realmente se reverter em favor do Fisco, contribuintes que ganharam ações na Justiça podem ter de enfrentar ações rescisórias dos estados.

As principais interessadas no assunto são as companhias aéreas, que importam peças de reposição para aeronaves, e empresários que arrendam aviões pequenos. Por definição, o leasing é um aluguel do bem por tempo determinado, com opção de compra ao fim do contrato. Porém, se o bem for devolvido ou o contrato de aluguel for renovado, os contribuintes alegam que o ICMS não é devido, por não ter havido incorporação ao patrimônio.

Desde 2000 o Superior Tribunal de Justiça vem decidindo a favor dos importadores. A jurisprudência foi confirmada no ano passado em sede de recurso repetitivo nos Embargos de Declaração no Recurso Especial 1.131.718, relatado pelo ministro Luiz Fux. Há pelo menos 79 julgados do tribunal na mesma direção.

O STF tem adotado a mesma posição. Na última vez que analisou o caso, o Plenário da corte foi unânime em rejeitar a cobrança. Ao julgar o Recurso Extraordinário 461.948, o ministro Eros Grau, relator, afastou a incidência do imposto na importação de peças de aviões pela TAM, justamente pela falta de circulação da mercadoria arrendada.

Em 2008, o ministro Gilmar Mendes negou liminar ao fisco paulista em relação a peças para um avião Cessna da Alphaville Urbanismo, usando o mesmo argumento, no julgamento da Ação Cautelar 1.821. No mesmo ano, foi a vez de a Gol obter decisão favorável do ministro Eros Grau, no Recurso Extraordinário 59.350. No STF, já relataram recursos favoravelmente ao contribuinte Gilmar Mendes (RE 556.316), Cezar Peluso (REs 553.663, 548.794), Ricardo Lewandowski (AI 686.970) e Cármen Lúcia (AC 1.930), todos em julgados unânimes nas duas turmas da corte.

A pulga atrás da orelha, porém, se instalou em junho, quando o ministro Gilmar Mendes resolveu mudar de entendimento. Relator do Recurso Extraordinário 540.829, Mendes seguiu posição manifestada pela ministra Ellen Gracie em 2006, contrária aos contribuintes. Durante a sessão do mês passado, alguns ministros sinalizaram concordar com o relator.

Revendo sua posição anterior, Gilmar Mendes atribuiu ao ICMS nos casos de importação via leasing a função de impedir a vantagem fiscal dos arrendamentos estrangeiros em relação aos nacionais, tributados pelo Imposto Sobre Serviços. Durante a sessão, o ministro Ayres Britto chegou a interromper o voto do relator para fazer um aparte, demonstrando concordar com os argumentos. Após o voto do ministro Luiz Fux abrindo divergência, a ministra Cármen Lúcia pediu vista do processo. O presidente da corte, ministro Cezar Peluso, fez um apelo aos colegas para que “refletissem bastante” antes de decidir e pediu “coerência”.

Para o tributarista Daniel Szelbracikowski, da Advocacia Dias de Souza, que acompanhou o julgamento, a fala do ministro pode dar a entender que pretende mudar de posição. Em sua interpretação, embora pedir coerência à corte implique lembrar da jurisprudência pacificada em favor do contribuinte, o apelo não seria necessário caso a intenção fosse manter o entendimento vigente.

Segundo ele, contribuintes que se basearam na jurisprudência pacificada de ambas as cortes ou que conseguiram decisões judiciais favoráveis, mesmo transitadas em julgado, correm o risco de ser cobrados retroativamente caso o STF mude de lado. Ele, que tem clientes nessa situação, afirma que os estados podem ajuizar ações rescisórias com base em um possível novo acórdão.

Ameaça de guinada

No início de junho, os ministros começaram a julgar Recurso Extraordinário do governo paulista contra a empresa Hayes Wheels do Brasil, envolvendo importação de aeronaves. A TAM é uma das interessadas listadas no processo. O relator, ministro Gilmar Mendes (foto), votou pela incidência do imposto. Ele afirmou que o ICMS não é cobrado de leasing dentro do território nacional, nos casos em que não há aquisição do bem, porque o imposto incidente nesses casos seria o Imposto Sobre Serviços. No entanto, não há como cobrar o ISS em operações de leasing internacional. Por isso, não tributar com o ICMS operações internacionais seria dar uma vantagem indevida a esse tipo de negócio.

Para o ministro, o fato gerador do ICMS é a entrada do bem no território nacional, havendo ou não circulação da mercadoria. O entendimento se baseia na Emenda Constitucional 33/2001, que acrescentou a alína “a” ao inciso IX do parágrafo 2º do artigo 155 da Constituição. Segundo o dispositivo, o ICMS incide na importação qualquer que seja o tipo ou a finalidade do negócio jurídico. Assim, tributar apenas o tipo de leasing no qual o contratante fica com o bem, distinguindo-o dos demais tipos, como defendem os contribuintes, abriria espaço para elisão fiscal, já que o contrato poderia ser prorrogado indefinidamente como forma de driblar o imposto.

Segundo Szelbracikowski, no entanto, a justificativa cria aberrações. “O STF precisa definir se então existem dois ICMS’s completamente diferentes, um incidente sobre circulação de mercadorias, e outro sobre importações”, diz. “Na prática, seria um imposto de importação dos estados.” Em sua opinião, o único imposto cabível seria o ISS. Ele afirma que qualquer distinção em relação a produtos internacionais é proibida pelo Acordo Geral de Tarifas e Comércio, o GATT (sigla em inglês), que admite apenas tarifas regulatórias.

Mesmo como obstáculo a elisões fiscais, diz o tributarista, o ICMS em leasing internacional não faz sentido. “Ninguém prorrogaria indefinidamente um contrato de leasing, uma vez que as aeronaves ficam obsoletas rapidamente e o valor pago durante o arrendamento pode não justificar economicamente a manobra”, explica.

A mudança de entendimento de Gilmar Mendes se baseou em voto da ministra Ellen Gracie proferido em 2006, no Recurso Extraordinário 206.069, cujos argumentos foram repetidos em 2009 no RE 226.899. Ellen Gracie entendeu que a não incidência do ICMS sobre bens importados poderia desvalorizar bens de capital nacionais. Mas Eros Grau (aposentado), Dias Toffoli, Cármen Lúcia e Ricardo Lewandowski foram contra. O recurso aguarda desde dezembro de 2009 voto-vista do ministro Joaquim Barbosa. Apesar de já haver votado, em maio o ministro Dias Toffoli se declarou suspeito para julgar o caso.

A divergência aberta pelo ministro Luiz Fux (foto) em junho no recurso da Hayes Wheels é a âncora em que confiam os contribuintes. Para ele, o entendimento do relator criaria um novo imposto por analogia, ao se interpretar que o ICMS previsto no inciso II do artigo 155, relativo a operações internas, seria diferente do tratado na alínea “a” do inciso IX do parágrafo 2º do mesmo artigo, que fala das importações. Ele citou a jurisprudência pacificada há dez anos no Supremo, e em recurso repetitivo no Superior Tribunal de Justiça — relatado por ele —, sobre a não incidência.

Fonte: Conjur

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