STJ veda saque de depósito judicial

Por Maíra Magro | De Brasília

Uma disputa entre a Telemar (atual Oi) e o Estado de Minas Gerais chegou ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) criando um precedente perigoso para as empresas envolvidas em discussões tributárias. A Telemar ganhou uma ação na Justiça para não pagar ICMS sobre a instalação de telefones. O próprio STJ estabeleceu que a cobrança é ilegal. Durante mais de uma década, enquanto tramitava a ação, a empresa depositou o valor do imposto em juízo, somando cerca de R$ 150 milhões. O Estado, porém, apropriou-se do dinheiro, e agora tenta evitar que a companhia recupere o depósito judicial. O argumento é que os custos do ICMS foram repassados ao consumidor, por isso a quantia não pertenceria à empresa.

Esta semana, o STJ decidiu manter o montante nos cofres do Tesouro estadual, até que os ministros avaliem o caso detalhadamente. A decisão, embora provisória, preocupa o setor empresarial: “Caso a tese prevaleça, o contribuinte ficará sem saída”, diz o advogado tributarista Daniel Corrêa Szelbracikowski, da Advocacia Dias de Souza. Se a empresa não recolher o imposto, será multada. Se optar pelo pagamento, não poderá recuperá-lo de volta, caso repasse os custos ao consumidor.

Com a nova tese, também ficaria difícil discutir impostos judicialmente, pela impossibilidade de recuperar valores depositados quando se tratar de um imposto indireto, em geral repassado ao consumidor – como ICMS, IPI e, em algumas circunstâncias, o ISS. “É uma inovação que mitiga o direito de discussão judicial dos tributos”, diz Szelbracikowski.

Quando as empresas ou pessoas físicas contestam a incidência de um imposto ou uma contribuição na Justiça, elas depositam os valores questionados em uma conta judicial específica. Assim, a quantia é mantida em território neutro, até que os tribunais se posicionem. Se o contribuinte perder a causa, o dinheiro vai para o Fisco. Se ganhar, ele recupera, ao fim, o montante.

Esse processo costuma transcorrer sem problemas. Mas no caso da Telemar, ocorreram algumas peculiaridades. Primeiro, o Estado conseguiu uma decisão da Justiça para transformar o depósito judicial em administrativo – o que torna o dinheiro disponível em seu caixa. Depois, argumentou que a empresa não poderia obter o valor de volta.

Em primeira instância, o juiz deu ganho ao Estado. O Tribunal de Justiça de Minas Gerais reverteu a decisão em favor da Telemar. O Estado então levou o caso ao STJ. Na terça-feira, os ministros da 1ª Turma concordaram em avaliar o mérito da questão. Até lá, manterão o dinheiro com o Fisco. Prevaleceu no julgamento o voto do ministro Napoleão Maia Filho, para quem a empresa não pode recuperar o dinheiro se os custos foram transferidos ao consumidor. A tese foi seguida pelos ministros Francisco Falcão e Arnaldo Esteves Lima. Benedito Gonçalves e Teori Zavascki ficaram vencidos.

O Estado usou como argumento o artigo 166 do Código Tributário Nacional (CTN), que regulamenta os pedidos de restituição de tributos pagos indevidamente. Segundo a norma, a devolução só pode ser feita a quem provar que arcou com os custos. Quem paga a conta dos impostos indiretos é quase sempre o consumidor final. Portanto, alegou o Estado, os R$ 150 milhões pertenceriam aos consumidores, e não à Telemar.

Já a empresa argumenta no processo que esse não é um pedido de restituição de imposto, mas uma discussão geral sobre sua incidência – tanto é que não houve pagamento, e sim depósito judicial. Portanto, o artigo 166 do CTN não se aplicaria. Tributaristas apontam que, mesmo se os consumidores tiverem arcado com os custos, somente a empresa poderia se engajar numa discussão judicial desse tipo, pois é ela quem tem a obrigação de recolher os valores ao Fisco.

Para o advogado Dalton Miranda, consultor do Trench, Rossi e Watanabe Advogados, a companhia deve ter reconhecido o direito de levantar o dinheiro, pois foi ela quem fez os depósitos judiciais, enquanto o consumidor pagou por um serviço. “O cliente não tem relação tributária com o Fisco, e a relação que mantém com a empresa é de natureza privada”, afirma.

Para o advogado Júlio de Oliveira, do Machado Associados, o Estado não poderia trazer novos argumentos à disputa depois que a empresa já saiu vitoriosa. Ou seja, o repasse do ICMS ao consumidor deveria ter sido suscitado na ação que discutiu a incidência do imposto, e não no momento da retirada do depósito. “É uma falta de respeito ao sistema jurídico, que causa muita insegurança jurídica.”

A Oi informou que defende seu direito, como autora de uma ação judicial que transitou em julgado em seu favor, de levantar o depósito oferecido em garantia do juízo. A companhia diz que não há no processo discussão relativa à restituição de imposto, que possa estar relacionada à aplicação do artigo 166 do CTN. Procurada pelo Valor, a Secretaria de Fazenda de Minas não quis se manifestar.

Fonte: Valor Econômico

Compartilhar