TJSP anula recuperação judicial de empresa que devia R$ 15 milhões ao Fisco

A1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJSP) acolheu um pedido da União Federal para anular o plano de recuperação judicial de uma indústria alimentícia porque a decisão havia dispensado as certidões
negativas de débitos tributários (CND). Para o relator, a dispensa das certidões implica no
desvirtuamento do processo de recuperação judicial. Segundo a Fazenda Nacional, a
empresa deve cerca de R$ 15 milhões ao Fisco.

O relator, desembargador Alexandre Lazzarini, afirmou que antes da Lei 14.112/2020
admitia-se a dispensa das certidões negativas para fins de homologação do plano de
recuperação, para possibilitar o soerguimento da empresa que pede a recuperação. Mas, esta norma de 2020 facilitou o pagamento da dívida tributária, com descontos de até 70% e parcelamento em até 120 meses, o que afastou a possibilidade de relativização da exigência das certidão negativa de débito tributário.

Sendo assim, o desembargador observou que o entendimento adotado pelo juiz de primeiro grau, que aprovou o plano de recuperação judicial com a dispensa das CNDs, não
mais se sustentava. Afinal, existem ”efetivas alternativas que proporcionam ao empresário
ou sociedade empresária em crise condições de obter regularidade com o Fisco, gozando
de benefícios compatíveis com sua situação excepcional”.

“Entender de maneira contrária, inclusive, equivaleria a incentivar o comportamento,
muitas vezes adotado por esses agentes econômicos, de inadimplir constantemente as
obrigações tributárias, acumulando vultosas dívidas de tal natureza, aproveitando-se do
menor poder de constrangimento da Fazenda Pública em relação ao poder dos demais
credores”, afirmou Lazzarini.

Eduardo Mange, atual presidente da Associação dos Advogados de São Paulo (AASP) e
especialista em recuperação judicial e falências, explicou que a decisão do Tribunal de
Justiça de São Paulo toma como base o advento da Lei 14.112/2020. Para ele, a reforma
da Lei de Responsabilidade Fiscal, através da Lei 14.112/2020, foi um divisor de águas nas
decisões jurídicas que envolvem planos de recuperação judicial.

”Esta lei instituiu novos mecanismos para a regularização tributária, para o parcelamento,
possibilitando a transação do crédito tributário, especialmente para as empresas em
recuperação judicial. Então, após ela entrar em vigor, não seria mais o caso de dispensar
as recuperandas da apresentação das certidões negativas de débitos tributários”, afirmou.
Na visão de Maria Fabiana Sant’Ana, sócia do PGLaw e do RJ na Prática Treinamentos, o
debate sobre a apresentação de CND para concessão da recuperação judicial permanece
mesmo após a entrada em vigor da Lei 14.112/2020.

Isso porque, embora alguns tribunais estaduais, como o de São Paulo, passaram a exigir a
apresentação das certidões negativas de débitos tributários para a homologação do plano
de recuperação judicial, o STJ ainda mantém o entendimento no sentido de que a
exigência das CNDs como requisito para a concessão de recuperação judicial é
inadequada e incompatível com o princípio da preservação da empresa (REsp 1.977.485,
decisão monocrática do ministro Paulo de Tarso Sanseverino, de 05/09/2022).

”O TJSP está tentando aplicar o art. 57 da Lei 11.105/2005, mas o fato é que a exigência de
CND para a concessão da recuperação judicial pode inviabilizar a utilização do instituto por
muitas empresas, até porque as novas regras de parcelamento e transação valem apenas
para tributos federais e não são todos os estados e municípios que adotaram regras
semelhantes”, comentou a advogada.

Além disso, a especialista disse que é preciso se atentar ao fato de que a Lei 11.105/2005
não prevê como causa de convolação da recuperação judicial em falência a ausência de
apresentação das certidões ¦scais, bem como, geralmente, esse pedido não é feito pelas
Fazendas, não cabendo aos tribunais estaduais impor essa sanção às empresas em
recuperação judicial. ”Dado que, ao menos por enquanto, o posicionamento do STJ com relação a essa questão não se alterou, a empresa poderá questionar a decisão do TSJP por meio de um recurso especial”, finalizou Sant’ana.

Para Douglas Duek, especialista em reestruturação de empresas e dívidas e em recuperação judicial, este processo demonstra que há uma tentativa de cancelamentos de
processos de recuperações judiciais por parte da União.

”Os débitos, quando entram em recuperação judicial, são prioritários. Quando uma
empresa pede recuperação judicial, e já não está mais pagando os impostos, a União não
pode executar a dívida. Por isso, a União está tentando obter decisões semelhantes à
tomada pelo Tribunal de Justiça de São Paulo”, analisou Duek.

A ação tratada nesta reportagem tramita com o número 2163123-77.2022.8.26.0000.

Fonte: Jota

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