Tributário – Apreensão de Mercadorias.Nova Postura do Supremo Tribunal Federal?

Em matéria sumulada, o Supremo Tribunal Federal já consignou que “é inadmissível a apreensão de mercadorias como meio coercitivo para pagamento de tributos” (Súmula 323).

Como conseqüência da posição do Pretório Excelso, os Tribunais uniformizaram sua jurisprudência, sempre prestigiando a Súmula e impedindo que o Fisco utilizasse da apreensão de mercadorias para coagir o contribuinte a efetuar o pagamento do tributo tido como devido. Neste sentido:

A Fazenda Pública só poderá cobrar seus créditos através de execução fiscal e na forma da Lei nº 6.830/80, não tendo a autoridade administrativa autorização para apreender, reter e leiloar mercadorias para receber multas e taxas – Súmula nº 323 do STF. (01) (Grifou-se).

Recente decisão proferida pelo Supremo Tribunal na ADIn 395-0 (DJ 17.08.2007) tem espalhado notícia que a Corte teria adotado nova postura, revisando sua jurisprudência, na medida que teria autorizado a Fazenda Pública reter mercadoria desacompanhada de documentação idônea.

A ementa do julgado tem a seguinte redação:

Ação Direta de Inconstitucionalidade. Art. 167, §7º, da Constituição de São Paulo. Inocorrência de Sanções Políticas. Ausência de afronta ao art. 5º, inciso XIII, da Constituição da República.

1. A retenção da mercadoria, até a comprovação da posse legítima daquele que a transporta, não constitui coação imposta em desrespeito ao princípio do devido processo legal tributário.
2. Ao garantir o livre exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, o art. 5º, inciso XIII, da Constituição da República o faz de forma absoluta, pelo que a observância dos recolhimentos tributários no desempenho dessas atividades impõe-se legal e legitimamente.
3. A hipótese de retenção temporária de mercadorias prevista no art. 163, §7º, da Constituição de São Paulo, é providência para a fiscalização do cumprimento da legislação tributária nesse território e consubstancia exercício do poder de polícia da Administração Pública Fazendária, estabelecida legalmente para os casos de ilícito tributário. Inexiste, por isso mesmo, a alegada coação indireta do contribuinte para satisfazer débitos com a Fazenda Pública.
4. Ação Direta de Inconstitucionalidade julgada improcedente (02).

O dispositivo tido como constitucional pela Corte diz que a apreensão de mercadorias pode ser efetivada pelo Fisco, “quando desacompanhada de documentação fiscal idônea, hipótese em que ficarão retidas até a comprovação da legitimidade de sua posse pelo proprietário” (parágrafo 7º, do art. 163, da Constituição do Estado de São Paulo).

A interpretação do dispositivo dada pelo Supremo Tribunal, que em seu bojo prestigia a postura adotada pela Súmula 323, registra não se tratar de coação para fins de pagamento de tributo, em vista da mercadoria ficar retida apenas até a comprovação da posse legítima por parte daquele que a transporta.

Havendo documento fiscal idôneo para comprovar a posse legítima, a apreensão da mercadoria não se justifica, da mesma forma que não se justifica a retenção da mercadoria após a apresentação de documento fiscal que comprove a posse legítima. O documento fiscal deve ser idôneo para comprovar a posse legítima, não necessariamente idôneo para outros fins.

Documento fiscal tido como inidôneo pela fiscalização para comprovar a regularidade fiscal, desde que comprove a posse legítima da mercadoria, será idôneo para liberar ou impedir a apreensão. Comprovado pelo documento fiscal a identificação do possuidor, a apreensão será inconstitucional, mesmo que a Fazenda Pública discorde do modelo de nota fiscal adotada, preço da mercadoria transportada ou outro ponto qualquer que, no entender do Fisco, gere obrigação não cumprida pelo contribuinte principal ou pelo transportador.

A Fazenda Pública dispõe dos meios necessários e aptos a cobrança do crédito que entende devidos e lançados: a propositura da execução fiscal. Na esfera judicial, sem o terror da coação direta, o tributo será devido em decorrência das previsões legais e não do entendimento unilateral do Fisco, desrespeitando o devido processo legal tributário.

Ao contrário do que se alardeia, portanto, a postura do Supremo Tribunal continua prestigiando a Súmula 323, coibindo-se que a fiscalização se utilize da apreensão de mercadorias para coagir o contribuinte a pagar tributo tido como devido e a renunciar ao direito constitucional à jurisdição.

Notas

(01) STJ, 1ª T., RMS 10.678/PB, 99.0019115-3. Rel. Min. Garcia Vieira. DJU 27.09.1999, p. 46. No mesmo sentido: TJPR, 4ª C. Civ., AC e RN 35.886-9. Rel. Des. Accácio Cambi, j. 12.04.1995, DJPR 22.05.1995, p. 40. TJES. Primeira Câmara Cível. MS/ Mimoso do Sul. Rel Arnaldo Santos Souza. J. 17/01/2006. TJGO, 2ª C. Cível. DGJ 6.430-3/195 – 200000208323. Rel. Subs. Juiz G. Leandro S. Crispim. DJGO 12.11.2001. TRF, 1ª R., 2ª T. S., AMS 96.01.48893-6/AM. Rel. Juiz Conv. Lindoval Marques de Brito. DJU 29.08.2002, p. 111. Neste sentido: TRF, 5ª R., AGTR nº 21173/CE. Rel. Des. Federal Luiz Alberto Gurgel de Faria, j. 24.04.2001, D.J.U 2 de 15.06.2001, p. 1756. TJSC, 1ª Câm. Civil, AC em MS n. 3.359/Joinville. Rel. Des. Napoleão Amarante, DJ/SC 15.09.1991, p. 05.

(02) STF, ADIn 395-0, Rel. Cármen Lúcia, julgado em 17.05.2007, DJ em 17.08.2007.



Célio Armando Janczeski

Mestre em Direito, Professor de Direito Tributário da Faculdade Mater Dei e da Escola Superior da OAB.
E-mail: caj@cmnnet.com.br

Fonte: Netlegis

Compartilhar