Uso de precedentes em operações societárias

É cada vez mais frequente no Brasil a utilização de precedentes para a preparação de documentos em operações societárias e de mercado de capitais. Se, por um lado, essa prática favorece o dinamismo que tanto se exige em operações dessa natureza, por outro, quando realizada de forma acrítica, pode implicar riscos significativos para todas as partes envolvidas.

Precedentes são minutas de documentos jurídicos de operações já concluídas, como contratos e prospectos, que servem de base para a elaboração dos documentos de uma nova operação. A utilização de precedentes traz inúmeros benefícios. Um dos principais é possibilitar que na nova operação se absorva a tecnologia jurídica e operacional desenvolvida para superar as controvérsias e entraves da operação anterior, o que pode representar significativa economia de tempo e custo. Precedentes podem servir de base para se comparar diferentes operações, facilitando, assim, a análise de risco e a precificação por parte do financiador ou do investidor. Para empresas ou instituições financeiras que atuam com frequência em operações societárias ou no mercado de valores mobiliários, precedentes podem representar ferramenta relevante para uniformização de práticas de exposição a riscos.

Precedentes, porém, não são fórmulas prontas para qualquer novo caso. Para utilizá-los com segurança e eficiência, o advogado empresarial ou o executivo precisa compreendê-los criticamente, com base nos fatos, circunstâncias e peculiaridades dos casos que lhes deram origem, identificando as porções aplicáveis ao novo caso e separando-as daquelas que não são.

Em países nos quais a utilização de precedentes é amplamente difundida, como nos Estados Unidos e na Inglaterra, prospectos ou contratos são utilizados como base de apoio para novas operações apenas se com elas partilharem qualidades comuns em termos de estrutura, interesses das partes envolvidas, direito aplicável e especificidades de cada indústria.

Na advocacia empresarial brasileira, de outro lado, tem-se visto a adoção de precedentes sem a perspectiva crítica descrita acima. Como consequência, não é incomum notarmos em operações de aquisição societária contratos confeccionados com base em contratos anteriores, sem que o advogado tenha o cuidado de identificar se determinadas cláusulas contidas nos precedentes teriam sido fruto de negociações específicas ou se efetivamente refletem as especificidades da nova operação e os interesses do cliente. Da mesma forma, vêem-se prospectos de ofertas no mercado de capitais repetirem, inadequadamente, disposições de prospectos de emissores ou indústrias com características divergentes daquelas da nova operação.

A má utilização de precedentes traz prejuízos inversos aos benefícios pretendidos. Em vez de poupar a nova operação de controvérsias e entraves superados em operações anteriores, geram conflitos e custos desnecessários. Podem, ainda, prejudicar a compreensão da nova operação ou criar obrigações de difícil cumprimento, elevando os riscos jurídicos e dificultando a precificação da operação. Por fim, ao se apoiarem em precedentes de forma acrítica, advogados ou executivos de empresas e instituições financeiras podem tornar operações simples excessivamente complexas ou custosas, ou tratar operações mais sofisticadas como produtos padronizados.

Com a crescente sofisticação das companhias e mercado de capitais brasileiros, há espaço para a criação e evolução contínua de precedentes. Precedentes são ferramentas de trabalho poderosas para facilitar a transformação de discussões teóricas em análises de casos concretos comparáveis, compreender melhor cada operação no seu contexto jurídico geral, economizar custos de transação e tornar as operações mais uniformes e juridicamente seguras. É urgente, porém, que sejam utilizados com critério e responsabilidade.

Rubens Vidigal Neto e Marcelo Perlman são sócios do escritório Perlman Vidigal Advogados

Fonte: Valor Econômico

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