Alta de 15% nas despesas federais e queda na arrecadação reduzem rigor fiscal
Governo usa R$ 8,9 bi em depósitos judiciais e R$ 4,7 bi do Refis da Crise para atingir meta; Tesouro diz que nada foi feito fora das regras
Edurado Rodrigues
O governo precisou recorrer a um artifício contábil para conseguir cumprir a meta de economia de recursos em 2009 para o pagamento de juros da dívida, conhecido como superavit primário. Como o esforço fiscal não alcançou os R$ 42,7 bilhões exigidos para o ano passado, a solução foi incluir na conta R$ 400 milhões referentes a uma pequena parte das despesas do PAC (Programa de Aceleração da Economia).
Mesmo em um ano de dificuldades na arrecadação, os gastos do governo central (que inclui Tesouro Nacional, Banco Central e Previdência) em 2009 totalizaram R$ 572,4 bilhões -R$ 74,5 bilhões a mais que em 2008. Esse aumento de 14,96% daria para pagar os benefícios do Bolsa Família durante exatamente seis anos.
Para tentar contrabalançar o crescimento dos desembolsos em meio à queda nas receitas de tributos decorrente da crise econômica mundial, o governo ainda precisou se valer de outras manobras para raspar o tacho e tentar chegar o mais próximo possível da meta de superavit primário.
Para completar o caixa, a principal estratégia foi turbinar o recebimento de dividendos das empresas estatais, que dobraram em 2009, somando R$ 26,683 bilhões. Só no último dia do ano, o Tesouro realizou uma troca com o BNDES e conseguiu R$ 3,5 bilhões em antigos dividendos da Eletrobrás que não tinham previsão de pagamento.
Além disso, receitas extraordinárias que estavam praticamente esquecidas foram resgatadas no decorrer do ano, como os R$ 8,9 bilhões em depósitos judiciais que estavam havia mais de uma década em bancos públicos. Outro aporte veio dos R$ 4,7 bilhões arrecadados dos parcelamentos de dívidas do chamado Refis da Crise.
“Utilizamos as possibilidades que se adequavam ao ano, nada foi feito fora das regras”, argumentou o secretário do Tesouro, Arno Agustin, que classificou como positivo o resultado de 2009, ainda que a queda em relação ao superavit de 2008 tenha sido de 45%.
Pelas contas do Tesouro, o superavit do governo central foi de R$ 39,2 bilhões no ano passado. No entanto, para calcular a necessidade de abatimento dos gastos referentes ao PAC, vale a metodologia utilizada pelo Banco Central, que usa critérios diferentes e também inclui as contas de Estados, municípios e empresas estatais.
Por esse critério, o superavit primário no ano passado já teria alcançado R$ 42,3 bilhões e, portanto, apenas R$ 400 milhões adicionais seriam necessários para o cumprimento da meta, equivalente a 1,4% do PIB (soma anual dos bens e serviços produzidos no país).
Segundo Agustin, no entanto, com a consolidação dos dados do BC que será divulgada hoje, a utilização do PAC deve superar R$ 1 bilhão. Ao todo, o programa de investimentos do governo dá uma margem de manobra de R$ 17,9 bilhões.
“Graças aos bons resultados do fim do ano, conseguimos cumprir a meta com folga”, disse o secretário, em relação ao espaço que ainda poderia ser utilizado se houvesse necessidade.
Até então, o artifício só havia sido utilizado em 2006, ano em que foi criado, em cerca de R$ 200 milhões. Para Agustin, a medida não altera a qualidade da economia de despesas, pois o resultado final preserva o conceito original do primário.
Em 2010, com a perspectiva do Ministério da Fazenda de um crescimento de 5,2% da economia, o governo estima que o aumento na arrecadação será suficiente para cumprir a meta, que deve retornar ao patamar de 3,3% do PIB, sem a necessidade de malabarismos contábeis.
Fonte: Folha