Receita recruta para fiscalizar grandes empresas

Por Alessandro Cristo


A Receita Federal já aquartela os auditores que ficarão encarregados de apertar o cerco contra grandes empresas a partir de maio. Desde o dia 26 de abril, 220 funcionários que passaram pelas seleções do fisco passam por treinamento intensivo para integrar as duas novas delegacias de acompanhamento dos “maiores contribuintes”, abertas em São Paulo e no Rio de Janeiro. Eles serão responsáveis por fiscalizar diariamente 10,5 mil empresas, e identificar planejamentos tributários considerados ilícitos. Segundo o fisco, os grandes contribuintes respondem por 75% da arrecadação.


Taubaté, em São Paulo, foi a cidade escolhida para o acampamento. Depois de se apresentarem voluntariamente para a tarefa, os fiscais tiveram de passar por uma seleção. Os escolhidos estão, desde o início da semana, no Hotel Fazenda Mazzaropi, onde receberam as primeiras instruções. A partir do dia 10 de maio, haverá mais duas semanas de preparação.


As duas novas delegacias começam a funcionar no dia 3 de maio. Do total arregimentado, 120 fiscais vão para a delegacia sediada em São Paulo, e o restante para a do Rio, como explica o subsecretário da Receita Federal, Marcos Vinícius Neder. Não há, no entanto, limites jurisdicionais. “Todos poderão receber dados e enviar intimações para o país inteiro”, diz. Além dos 220 no Sudeste, outros 200 auditores com a mesma atribuição estão espalhados pelo Brasil. “Muitas vezes descobrimos ramificações do mesmo planejamento em outros locais”, explica Neder.


As novas técnicas de acompanhamento têm a ver com tecnologias implantadas recentemente pela Receita, como o Sped Contábil e Fiscal, e a nota fiscal eletrônica. Pelo sistema online, as empresas já repassam ao fisco federal informações que antes os auditores só tinham acesso no caso de uma fiscalização, como os livros Diário e de registro de entradas e saídas de mercadorias das companhias. “Antigamente, havia dificuldade de fiscalizar grandes empresas devido justamente ao excesso de papeis”, conta o subsecretário.


Todas essas informações agora estarão disponíveis nos notebooks dos agentes especiais da Receita. Graças a um software responsável pela extração de informações do portentoso banco de dados do fisco, uma equipe analisará as declarações recebidas mensalmente e enviará aos auditores o que for considerado suspeito. Em seu próprio computador, o auditor poderá fazer os cruzamentos e despachar intimações, caso considere as operações da empresa uma forma de driblar ilegalmente a tributação.


A praticidade, no entanto, não comprometerá a segurança das informações, garante Neder. Embora os dados fiquem nos computadores pessoais dos auditores, o acesso é controlado por meio de certificação digital. “Os usuários só entram com cartão ou chip, e tudo é monitorado e registrado”, diz. “É o mesmo que usar um computador da Receita.”


Raio-X societário
Entre as artimanhas na mira, segundo o subsecretário, estão práticas já condenadas pela Justiça, sempre ligadas a reestruturações societárias, incorporações, fusões e cisões. Uma delas é a incorporação às avessas, a chamada operação de swap, pela qual uma empresa com prejuízo fiscal declarado absorve outra lucrativa. A operação, que, por meio de compensação, imuniza a base tributável da receita da incorporada, foi considerada uma manobra ilegal pelo Superior Tribunal de Justiça no ano passado.


Outro exemplo já tarimbado é o do “casa-separa”, em que, para escapar da tributação sobre a venda de um ativo, a empresa compradora se torna sócia da vendedora temporariamente, por meio de um aporte de capital. No entanto, deixa a sociedade pouco tempo depois, levando o ativo, em vez do dinheiro. No início do ano, o Conselho Administrativo de Recursos Fiscais confirmou uma multa de R$ 286 milhões ao grupo gaúcho de comunicação RBS, que se associou por 50 dias à Telefônica. Segundo o CARF, a manobra foi uma simulação.


Quartéis-generais
As novas delegacias de acompanhamento de grandes contribuintes foram criadas no dia 12 de abril, por meio da Portaria 547/2010 da Receita Federal. A medida transformou as antigas Delegacia Especial de Assuntos Internacionais (Deain), em São Paulo, e Delegacia Especial de Instituições Financeiras (Deinf), no Rio de Janeiro, em Delegacia Especial de Maiores Contribuintes (Demac).


A mudança é fruto do trabalho de concentração da fiscalização em contribuintes que respondem pela maior parte dos créditos tributários. No ano passado, R$ 55,4 bilhões dos créditos tributários lançados foram relativos à arrecadação dos chamados “grandes contribuintes”, que faturam mais de R$ 80 milhões por ano. Do restante do crédito, R$ 29,7 bilhões vieram de outras empresas. Apenas R$ 5,2 bilhões são relativos a pessoas físicas.

Fonte: Conjur

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