A nova roupagem consubstanciada na ferramenta eletrônica proveniente da tecnologia impregnada revolucionou o moderno direito empresarial, aparelhando-o, diferentemente, de sua concepção antiga, a exemplo do vetusto Código Comercial de 1850.
Com razão, a sociedade globalizada influenciou em termo de economia, mudando os conceitos, interferindo na razão de ser da atividade empresarial e, principalmente, na consolidação de parcerias e novas estratégias para ganhos em escala de mercado.
Forte nesse aspecto e com toda a transformação havida na primeira década do século XXI, surgiram o comércio eletrônico, venda pela internet, novos contratos empresariais, amplitude do mercado de capitais, de molde a permear a formatação digital desse elemento substancial para a estabilidade dos negócios.
Na França, já de algum tempo, percebeu-se essa completa modificação de pensamento, passando o direito comercial a ser denominado direito dos negócios, para englobar múltiplas e variadas atividades concentradas na busca do lucro.
Entretanto, no Brasil, muitos anos foram perdidos na disputa inócua em relação à autonomia entre o direito civil e o direito comercial, sob a ótica obrigacional, fato esse superado com o advento do atual Código Civil.
Destaca-se, a partir desse prisma de visão, que o dinamismo do moderno direito empresarial entrelaça milhões de negócios e a principal tarefa a ser alcançada diz respeito a um aparente equilíbrio entre o mercado e o consumidor final.
Explica-se o raciocínio a partir do domínio e monopólio, ou oligopólio, de poucas empresas, as quais exploram as mesmas atividades, porém, nesse contexto, não conseguem suprir as necessidades do consumidor ou, minimamente, prestar serviço de modo eficiente.
A partir do conceito frutificado na Constituição Federal de 1988, o qual pode ter sua origem em Roger Houin, ao definir a preservação da empresa e sua função social na década de 60, todo o ramo ligado à exploração da atividade econômica apresenta conotação de proteção ao mercado e também do consumidor.
Bem longe disso, o Código Comercial de 1850 perdeu o seu foco, não obteve êxito ao ser revogado, na sua primeira parte pelo atual Código Civil, embasado no Código Civil Italiano de 1942 e no Código Suíço das Obrigações de 1965.
O diploma normativo nº 11.101, de 2005, fomenta o conteúdo do interesse social da empresa e sua abrangência coletiva ou difusa, todos os demais institutos do direito empresarial, em maior ou menor extensão, caminham fortemente no mesmo sentido.
A percepção do novo direito empresarial passa pela atualização dos conceitos e o alcance de proteção do mercado, sem esquecer a figura do consumidor e o modelo de privatização que privilegiou grupos econômicos, fazendo com que a qualidade do serviço fosse preterida frente à continuidade das relações negociais.
Em termos gerais, pois, a parte societária, dos títulos de crédito, hoje eletronicamente, marcas e patentes, prazo de duração, direito concorrencial, fundo de empresa, tudo está catalisado no perfil de atendimento ao objetivo público que sedimenta essa nova relação econômica.
Deixa-se de lado o viés privatista do Código de 1850, alcançando-se, ao longo dos anos, um conceito semipúblico em várias vertentes e, exclusivamente público, quando define a função social da atividade empresarial.
Naturalmente, o mercado de capitais, as atividades financeiras e, principalmente os bancos, comerciais, de fomento, e investimentos, tudo encapsula um propósito de atender o escopo público dominante.
O direito negocial se associa, por interconexão, aos valores do direito econômico, do direito financeiro, da seguridade social, e todos os demais campos, na medida em que a preservação da empresa visa, sobretudo, ao equilíbrio das relações do capital, com o mercado e os próprios empregados.
A remodelagem via privatização não foi única, permitiu a criação de parcerias público-privadas, decretando-se o término do estado empresário, o qual simplesmente gerencia e hoje regula, por meio das agências, a maioria das empresas que estão no mercado.
Consubstanciado o modelo em suas diversas funções, o novo direito empresarial pede passagem para a formatação de um delineamento específico, não um código comercial, demorado, dificultoso e longe dos anseios de todos, mas sim, de um código empresarial geral.
A referida lacuna, o vazio legislativo, exigiria a existência de um código empresarial que demonstrasse transparência e regulasse as relações, oferecendo estabilidade para os investidores, segurança nas aplicações e, ao mesmo tempo, proteção para o direito do consumidor.
A arquitetura dessa reengenharia que permite vislumbrar o século XXI fortifica a necessidade inadiável da criação de um código empresarial que aglutine todos os aspectos essenciais da atividade econômica, removendo os destroços arcaicos do Código Comercial de 1850, finalidade que atenderia aos anseios do mercado, aos interesses dos investidores e ao equilíbrio junto ao consumidor.
Destarte, sem uma legislação própria e atinente à atividade empresarial como um todo, permanece as dúvidas e as incertezas que implicam em sérias dificuldades para os próximos anos de Copa do Mundo e jogos olímpicos.
O grande desafio consiste em remodelar a ordem normativa, por meio de um código empresarial, à altura da envergadura da economia do País e que permita, ao longo dos anos, conciliar de forma equilibrada os interesses dos grupos econômicos, do mercado e, fundamentalmente, do consumidor.
Carlos Henrique Abrão é doutor em direito comercial pela Universidade de São Paulo (USP) e desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP)
Fonte: Valor Econômico