Após aprovar em tempo recorde o projeto de lei que endureceu a legislação contra a lavagem de dinheiro, a presidente Dilma Rousseff decidiu resgatar outra proposta cuja tramitação não foi adiante durante o governo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Trata-se, na verdade, de um pacote de medidas idealizado pelo Ministério da Fazenda, Advocacia-Geral da União (AGU) e Procuradoria-Geral da Fazenda (PGFN) que busca agilizar a execução fiscal federal e irrigar o quanto antes os cofres do Tesouro Nacional com pelo menos parte dos R$ 850 bilhões hoje inscritos na Dívida Ativa da União.
São três projetos de lei (Lei Geral de Transação, nova Lei de Execução Fiscal e Lei da Dação em Pagamento e Parcelamento de Dívidas de Pequeno Valor) e um projeto de lei complementar (alterações no Código Tributário Nacional) apresentados no segundo mandato de Lula e que, diante de resistências, principalmente do setor empresarial, tiveram sua tramitação interrompida. Dilma, porém, decidiu retomá-los. “Estamos vivendo um debate do Orçamento. Há um momento favorável para discutir projetos cuja premissa é a resolução de passivos e o ingresso de recursos”, afirmou ao Valor o advogado-geral da União, Luís Inácio Lucena Adams.
No entanto, a rejeição às propostas persistem, sob a justificativa de que elas conferem superpoderes ao Fisco. O maior alvo é justamente o projeto considerado central pelo Palácio do Planalto, o 5080/2009. Ele estabelece a “nova execução fiscal”, ao prever, dentre outros pontos, que as fases de citação do devedor, constrição e avaliação de seus bens, hoje exclusivamente feitos pela via judicial, possam ser feitos também administrativamente. Também determina que só haverá ajuizamento da execução fiscal se o Fisco indicar os bens a serem penhorados.
Um terceiro ponto, também polêmico, é o que prevê a interrupção da prescrição na fase administrativa de notificação ao devedor. Com isso, o Fisco ficaria desobrigado de promover execuções fiscais apenas para impedir a prescrição, além de ganhar tempo para identificar o patrimônio penhorável do contribuinte a ser dado como garantia.
Para fundamentar a defesa da proposta, o Palácio do Planalto tem difundido uma série de argumentos, muitos deles fundamentados em um estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) contratado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e publicado em 3 de abril deste ano. Intitulado “Custo Unitário do Processo de Execução Fiscal na Justiça Federal”, por meio dele se observou que o tempo médio total de tramitação de um processo de execução fiscal na Justiça Federal é de oito anos, dois meses e nove dias, dos quais quase a metade se perde com a citação do devedor. Sua defesa e a fase de recursos não consomem nem 10% desse tempo.
Só isso, avalia o governo, já é motivo mais do que suficiente para que a própria Fazenda seja responsável pela citação e localização dos bens. Ademais, o mérito da execução continuaria a ser julgado por um juiz.
Entretanto, o setor empresarial não compactua desse entendimento. Nas primeiras reuniões, após o Palácio e a Fazenda decidirem retomar o projeto, a reação das confederações nacionais da Indústria (CNI ), Comércio (CNC), Agricultura (CNA) e Financeira (CNF) e Transportes (CNT) foi unânime: são contrários aos projetos, em especial ao 5080/2009.
Ciente disso, o governo escolheu um parlamentar ligado a esses setores para tocar as negociações e relatar um substitutivo que reúna em apenas um texto todas as quatro propostas. Trata-se do líder da bancada do recém-criado PSD, deputado Guilherme Campos (SP). O gesto tem ainda um viés político: afagar o autodeclarado independente partido do prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab, que inicia sua vida parlamentar com 49 deputados – por ora, a quarta maior da Casa, segundo informações na Câmara.
Egresso do antigo PFL, Campos é um empresário ligado ao comércio e dirigente da Associação Comercial e Industrial de Campinas. Ele já fez duas reuniões com as confederações. A primeira, há duas semanas, onde foram apresentadas todas as restrições dos empresários. A segunda, na semana passada, em que estiveram frente a frente técnicos dessas instituições e representantes da Receita Federal, Secretaria de Relações Institucionais, AGU e PGFN. O impasse persistiu.
“Esses projetos são nitroglicerina pura, porque tratam a questão da cobrança da dívida com um olhar só do ponto de vista de quem cobra. Tem questões que precisam ser resolvidas. Quero apresentar um produto que proteja o Estado mas também e o bom contribuinte”, afirmou Campos, apontando ainda que o desenho final do relatório deve ser trabalhado com tempo: “Esse processo não pode ser açodado.”
O receio dos deputados é de que medidas em que haja consenso, como o parcelamento de pequenos valores e a transação judicial, tenham sua tramitação atrasada em razão do interesse do governo de que tudo esteja contido em apenas uma lei.
Nesse sentido, discutem-se duas alternativas. Uma delas é retomar a comissão especial criada na legislatura passada para debater esses projetos, mas que não avançou justamente pela oposição a eles de boa parte da Casa. Outra é extrair do pacote o projeto da nova execução fiscal e avaliar a inclusão de seus artigos no novo Código de Processo Civil, já que há uma comissão especial sobre ele em andamento. “O projeto da execução fiscal começa fazendo referência ao código, nada mais natural então de que ele seja discutido nessa comissão”, afirma o vice-líder do PMDB, deputado Eduardo Cunha (RJ).
Fonte: Valor Econômico