Empresa ajuíza ação contra Pereira Calças

Por Pedro Canário

A defesa da Cerâmica Gyotoku ajuizou Exceção de Suspeição contra o desembargador Manoel Pereira Calças, do Tribunal de Justiça de São Paulo. Ele é acusado de ter faltado com o princípio da isenção, pois deu declarações à imprensa sobre decisão que anulou o plano de recuperação judicial da empresa.

Em março deste ano, a Câmara Reservada à Falência e Recuperação de Empresas anulou um plano de recuperação da Gyotoku já aprovado pela assembleia da companhia e homologado pela Justiça. A companhia tem 1.767 credores e dívidas que somam R$ 221,3 milhões, conforme contou, à época, reportagem do jornal Valor Econômico.

O plano de recuperação apresentado à Justiça previa, entre outros critérios, prazo de 18 anos para o pagamento dos débitos e, se ao fim do 18º ano ainda houvesse saldo devedor, a dívida seria perdoada. O plano foi alvo de recurso do Itaú BBA, credor de R$ 19,4 milhões, dizia o Valor. O recurso, no TJ-SP, foi para a relatoria do desembargador Pereira Calças.

Ao analisar o plano, Calças e os demais desembargadores que votaram o consideraram “surrealista” e “ilegal”. O voto do relator abriu precedentes no TJ, que tendia a considerar a assembleia de credores soberana em casos de recuperação judicial. “Incide-se em grave equívoco quando se afirma, de forma singela e como se fosse um valor absoluto, a soberania da assembleia-geral de credores, pois, como ensinaram Sócrates e Platão, as leis é que são soberanas, não os homens”, afirmou Calças.

Procurado pelo Valor para comentar a decisão, Calças disse se tratar de “um plano para fraudar credores”. Explicou que é dever do Judiciário anular planos “sem razoabilidade”, “para que não haja abuso no seu manejo”. Com a decisão, a Gyotoku obteve 60 dias para elaborar um novo plano e apresentá-lo aos credores.

Outras intenções

De acordo com os advogados da Gyotoku, Hoanes Koutoudjian e João Boaydjian, o desembargador Calças, ao dizer o que disse para o Valor, faltou com a isenção que deveria demonstrar na atividade jurisdicional. Para a defesa, Calças “revelou indisfarçável e inconcussa parcialidade”.

Foi violado, segundo o advogado, o artigo 36, inciso III, da Lei Orgânica da Magistratura Nacional (Loman): “È vedado ao magistrado manifestar, por qualquer meio de comunicação, opinião sobre processo pendente de julgamento, seu ou de outrem, ou juízo depreciativo sobre despachos, votos ou sentenças, de órgãos judiciais, ressalvada a crítica nos autos e em obras técnicas ou no exercício do magisério”.

Na Exceção de Suspeição, a Gyotoku, por meio de seus advogados, afirmou que a manifestação de Calças representa sua “opinião pessoal”, e por isso “compromete a isenção do magistrado para julgar a lide”. “Opinião pessoal, expressa pela forma como foi promovida, manifesta interesse no resultado a benefício de uma das partes, o que é de primária intelecção, em prejulgamento estruturado.”

Para os advogados, a única intenção do desembargador, ao explicar a decisão para a reportagem do Valor, foi “macular o nome da empresa, gerar instabilidade em seus negócios e obstar o livre exercício de seu direito de defesa, como se a questão sub judice estivesse definitivamente passada em julgado”.

Precedentes

Na própria Exceção, Hoannes Koutoudjian levanta a jurisprudência do tribunal paulista no sentido de que a assembleia de credores é soberana nas decisões sobre os planos de recuperação judicial. O comum no TJ-SP, diz Hoanes Koutoudjian, é que se mantenha o plano que foi homologado pela Justiça, em primeiro grau. Em outras palavras, os desembargadores costumam deixar nas mãos da assembleia de credores a decisão sobre como os débitos serão pagos.

Com a Gyotoku foi feito o contrário. Calças entendeu que o plano tinha o interesse de “dar calote” nos credores, conforme disse o Itaú BBA no recurso. Já não se trata mais de um caso isolado. Decisão semelhante foi proferida pela mesma Câmara de Falências do TJ-SP no início do mês.

Também sob relatoria do desembargador Manoel Pereira Calças, o TJ-SP decidiu anular o plano de recuperação da Decasa Açúcar e Álcool, dando-lhe 30 dias para elaborar novo plano e 60 para levá-lo à assembleia de credores.

Na decisão, Calças afirmou que o Judiciário “não é mero chancelador de deliberações assembleares” e tem o dever de recusar propostas de planos viciados, por mais que eles tenham sido homologados pela Justiça. A proposta da Decasa previa, por exemplo, isenção de juros e correção monetária da dívida parcelada. Foi questionada pelo Macquarie Bank Limited, um dos credores.

Calças afirmou, neste caso, que a assembleia-geral de credores é soberana para apurar a viabilidade do plano de recuperação, desde que não viole a Constituição e a legislação. Quem noticiou a decisão da Decasa também foi o Valor Econômico.

Fonte: Conjur

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