Por Aline Marcelino
O Tribunal Regional Federal da 1ª Região, reconheceu a inconstitucionalidade do artigo 10 da Lei 10.666/2003, que trata do Fator Acidentário de Prevenção (FAP), usado no cálculo da contribuição previdenciária devida pelas empresas. No entendimento da corte, é vedado ao Fisco alterar a alíquota do RAT (Riscos Ambientais do Trabalho, influenciada pelo FAP) sem que a lei o estabeleça. Como a decisão foi de órgão fracionário, o julgamento será encaminhado à Corte Especial, devido à reserva de plenário para julgar inconstitucionalidades, prevista no artigo 97 da Constituição Federal.
O FAP de cada empresa é calculado de acordo com os índices de frequência, gravidade e custo, para a Previdência Social, das ocorrências acidentárias de cada empresa com relação ao seu ramo de atividade. Após apurados esses índices, devem ser calculados os respectivos percentuais.
De acordo com a legislação, a alíquota da contribuição destinada ao RAT varia de 1%, 2% ou 3% sobre a remuneração paga aos empregados, de acordo com a atividade preponderante. Por sua vez, o artigo 10 da Lei 10.666 previu a flexibilização dessas alíquotas, permitindo sua redução em até 50%, ou impondo majoração de até 100%. O FAP, portanto, é um índice multiplicador sobre as alíquotas de 1%, 2% ou 3% do RAT.
A decisão foi da 8ª Turma do TRF-1, que entendeu que a lei, ao criar flutuações na alíquota conforme discricionariedade do Fisco, violou o princípio da legalidade tributária, que exige que as alíquotas sejam pré-fixadas em lei. O recurso havia sido proposto pela Construtora BS Ltda contra decisão de primeiro grau, que não concedeu Mandado de Segurança.
Na apelação, a empresa sustentou que, com a Lei 10.666/2003, a alíquota do RAT foi alterada, sendo tal alteração atribuída ao Regulamento da Previdência Social sem respeitar o princípio da legalidade tributária. Alegou que o acréscimo de tributos, inclusive das contribuições previdenciárias, deve ser feito mediante lei. Pediu a reforma da sentença de primeiro grau, para que fosse declarada a inconstitucionalidade do dispositivo e reconhecido o direito à repetição dos valores recolhidos em janeiro e fevereiro de 2010.
Ao julgar o processo, a relatora, desembargadora federal Maria do Carmo Cardoso, destacou que a limitação ao poder de tributar prevista no artigo 150, inciso I, da Constituição Federal, assim como no artigo 9º, inciso I, do Código Tributário Nacional, veda ao Fisco instituir ou majorar tributos sem que a lei o estabeleça. “É vedada, assim, a fixação ou majoração da alíquota do tributo pelo Poder Executivo”, afirmou.
De acordo com ela, embora o artigo 10 da Lei 10.666 tenha reproduzido os percentuais de referência da contribuição e fixado os limites máximo e mínimo de aumento e redução da alíquota, não definiu, de modo preciso e satisfatório, os elementos essenciais da obrigação jurídico-tributária. “Para se determinar a alíquota efetiva da contribuição em tela, faz-se imprescindível a anterior definição do coeficiente denominado FAP, o que, portanto, lhe confere o caráter de elemento essencial da exação”, destacou a desembargadora.
A relatora salientou que a Lei 10.666 não fixou a alíquota da contribuição ao SAT (atual RAT), mas criou apenas os limites mínimos e máximos para o seu balizamento, definidos depois pelo Decreto 3.048/1999, com redação dada pelo Decreto 6.957/2009. “Entendo, assim, que o artigo 10 da Lei 10.666/2009, com a redação dada pelos Decretos 6.042/2007 e 6.957/2009, está eivado de ilegalidade e de inconstitucionalidade.”
Com esses fundamentos, a 8ª Turma reconheceu a inconstitucionalidade e determinou a remessa dos autos à Corte Especial do tribunal para análise da arguição.
Para a advogada Teresa Simonelli, do escritório Lodi & Lobo advogados, a decisão foi acertada ao reconhecer a ofensa ao princípio da legalidade tributária. “O artigo 10 da Lei 10.666, ao delegar ao Poder Executivo a fixação da metodologia e dos critérios de apuração do FAP, acabou delegando ao Executivo o poder de fixar alíquota de tributo, o que é vedado em nosso ordenamento jurídico”, diz.
Segundo Teresa, essa é a primeira decisão dos Tribunais Regionais Federais favorável aos contribuintes. “Tanto o TRF da 3ª Região quanto o TRF da 5ª Região têm se posicionado contrariamente aos contribuintes, por entenderem que nesse caso se aplica a jurisprudência do STF no sentido da inexistência de ofensa ao princípio da legalidade, quando do julgamento da constitucionalidade da legislação ordinária que, ao fixar alíquotas diferenciadas de incidência da contribuição devida a título de Seguro de Acidente do Trabalho, atribuiu ao poder regulamentar a complementação dos conceitos de atividade preponderante e grau de risco”, explica.
Ocorre que, de acordo com ela, no caso do FAP, não se trata apenas de regulamentar os conceitos que serão utilizados para a cobrança da contribuição, mas sim das próprias alíquotas a serem aplicadas. “Existem ainda outros pontos defendidos pelos contribuintes que não foram apreciados por essa decisão, mas isso não retira sua importância na luta que as empresas vêm travando desde o final de 2009, quando foi regulamentada a aplicação do FAP”, diz.
Cálculo discricionário
A Lei 10.666/2003, regulamentada pelo Decreto 6.957/2009, instituiu o Fator Acidentário de Prevenção, índice modulador da contribuição conhecida como RAT (Riscos Ambientais do Trabalho) .
O índice FAP é um multiplicador do RAT em um intervalo de 0,5 a 2. Com isso, o RAT — que prevê a incidência de alíquotas de 1%, 2% ou 3% sobre a folha de salários da pessoa jurídica — pode ser reduzido pela metade ou majorado em até 100%, de acordo com as estatísticas de acidente do trabalho registradas pela empresa no período base de 12 meses.
Assim, o FAP premia as empresas que zelam pela segurança de seus funcionários com um redutor (até 0,5). “Menos acidentes de trabalho significa menos impostos para a empresa”, explica Thiago Taborda Simões, sócio do escritório Simões Caseiro Advogados. Por outro lado, empresas com alto índice de acidentes são punidas com a majoração da carga tributária.
O advogado esclarece que apenas a lei pode aumentar ou diminuir um tributo. “A lei precisa do decreto e da resolução para ser completa. Nesse caso, caracteriza uma afronta ao princípio da legalidade”, diz.
Processo 0013912-17.2010.4.01.3600/MT
Aline Marcelino é repórter da revista Consultor Jurídico.
Fonte: Conjur