Cumpramos as leis que temos e teremos Justiça

Por Raul Haidar

A constituição, no artigo 5º, assegura a duração razoável do processo administrativo ou judicial. Essa é uma das normas que não vêm sendo cumpridas, com sérios prejuízos para todos e para a obtenção da verdadeira Justiça.

Um exemplo desse descumprimento é a demora absurda na solução das ações de execução fiscal que se arrastam por mais de década nos cartórios do país todo e em especial em São Paulo. Há execuções que ficam paralisadas por mais de dez anos e de repente passam a ser movimentadas pelas procuradorias, chegando em alguns casos a ocorrer bloqueios judiciais de valores em contas bancárias de pessoas tidas como responsáveis pela dívida, inclusive sobre valores impenhoráveis, como os relacionados com aposentadorias.

Além da necessidade de aplicação do princípio inconstitucional acima mencionado, de forma a impedir que qualquer processo durma tanto tempo nas prateleiras ou porões do fórum, deve-se levar em conta a necessidade de aplicação das normas que tratam da prescrição, inclusive da prescrição intercorrente.

Não é possível admitir o argumento falacioso de procuradores da fazenda que entendem que não se pode declarar prescrição mesmo que os autos permaneçam parados décadas, pois não haveria “culpa” do credor, uma vez que a demora seria decorrente do mau funcionamento do judiciário ou de fatores relacionados com “mecanismos inerentes às dificuldades do Judiciário”.

Ora, se a procuradoria promove a distribuição da ação, tem a obrigação de acompanhar seu andamento e reclamar o não cumprimento dos prazos. Quando um advogado não dá andamento à causa que promove, abandonando-a sem adotar as medidas judiciais de sua competência, comete infração disciplinar, prevista na Lei 8.906. Procuradores do estado ou da fazenda são advogados, queiram ou não.

No estado de São Paulo, aquela “desculpa” que pretende atribuir ao Judiciário a responsabilidade pelo atraso nas demandas não pode ser aceita em hipótese alguma, eis que o executivo vem, sistematicamente, sonegando as verbas que são devidas e necessárias para que tenham algo parecido com Justiça. Varas são criadas, mas não se instalam e quando são instaladas não há funcionários suficientes, cujos salários sempre estão fora da realidade, incentivando greves periódicas e até provocando evasão dos mais capazes, atraídos por carreiras mais atraentes no Judiciário Federal e até em estados menores.

Independentemente disso, algumas medidas práticas precisam ser adotadas para viabilizar alguma eficiência nos setores de execução fiscal.

O Ministério da Fazenda já adotou medida (Portaria 75 de 22/03/12) no sentido de não serem ajuizadas execuções fiscais de valor igual ou inferior a R$ 20 mil. Por outro lado, conforme noticiou a Assessoria de Imprensa do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, a Procuradoria Regional da Fazenda Nacional da 3ª Região (São Paulo e Mato Grosso do Sul) já está desenvolvendo esforços no sentido de reduzir em até 50% os processos em andamento, utilizando até mecanismos de conciliação já autorizados.

Enquanto isso, a Justiça Federal ainda dá andamento a execuções fiscais de valores ridículos, promovidas por conselhos profissionais, especialmente o Conselho Regional de Corretores de Imóveis (Creci). Tais conselhos não pagam custas judiciais, por serem autarquias, mas colaboram no trabalho de entupir o Judiciário com processos que poderiam ser resolvidos de outra forma.

Há também inúmeros municípios que distribuem execuções de valores ínfimos, de igual forma prejudicando o funcionamento do Judiciário.

Mas acima disso tudo parece-nos que a maneira mais eficaz de corrigir a anomalia seria a adoção de uma medida muito simples por parte dos magistrados: determinar a seus auxiliares que selecionassem os autos onde já esteja presente a prescrição. O juízo pode e deve aplicar a lei. E há lei que autoriza o juiz a decretar de ofício a prescrição.

Caso ocorra que algum procurador (estadual ou federal) resolva apelar de tal sentença, poderá ser alvo de representação por falta disciplinar junto ao Tribunal de Ética e Disciplina da Ordem dos Advogados do Brasil, por infração ao artigo 34, VI da Lei 8.906.

Caso os interessados cumpram a lei, reconhecendo a prescrição quando houver e determinando o arquivamento dos autos, certamente uns 50% dos autos que estão no anexo fiscal da capital deixarão de existir.

O mais ridículo disso tudo é o que acontece em São Paulo, na Praça Dr. Almeida Lima. Um prédio antes utilizado como escola, agora transformado em cartório de execuções fiscais, já apresenta algumas trincas. Isso obriga um sobe e desce de processos que não acaba mais. Precisamos fazer alguma coisa antes que a casa caia.

Raul Haidar é advogado tributarista, ex-presidente do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB-SP e integrante do Conselho Editorial da revista ConJur.

Fonte: Conjur

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