Ceder direito não é prestar serviço e Neymar tem dívida fiscal de R$ 18 milhões extinta pela Justiça

A cessão de direitos, consistente em transferir a propriedade ou os direitos de uso e gozo de bem imaterial a terceiro, não resulta em obrigação de fazer, mas em prestação de dar. Com essa fundamentação, a juíza Andrea Aparecida Nogueira Amaral Roman, da 3ª Vara da Fazenda Pública de Santos (SP), frustrou a pretensão do município de receber da empresa Neymar Sport e Marketing uma suposta dívida de Imposto Sobre Serviços (ISS) superior a R$ 18 milhões.

Por entender que a pessoa jurídica vinculada ao jogador Neymar, do Al-Hilal (Arábia Saudita), não recolheu o ISS referente a serviços prestados no período entre os anos de 2015 e 2019, a Prefeitura de Santos ajuizou execução fiscal, relacionada a oito certidões de dívida ativa (CDAs). O pretenso débito foi calculado originariamente em R$ 14.624.568,70.

Por considerar indevida a cobrança da dívida, a Neymar Sport e Marketing opôs embargos à execução fiscal movida pela Fazenda Pública de Santos. Para isso, em cumprimento a requisito legal, a empresa fez depósito judicial no valor de R$ 18.051.730,42 como garantia da execução, requerendo que fosse eximida de pagar o tributo diante da “manifesta ausência de prestação de serviço”.

A Prefeitura de Santos impugnou os embargos, alegando ser do atleta o direito de imagem, e não da empresa que o assessora. A embargada também sustentou que, nos termos do item 17.01 da lista de serviços da Lei Complementar 116/03, consta o de prestar assessoria, incidindo o Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISSQN). Porém, a juíza Andrea Roman rejeitou esses argumentos.

“Não obstante a previsão no item 17.01 do anexo da Lei Complementar nº 116/2003, que discrimina os serviços de assessoria ou consultoria de qualquer natureza, é nítido que a atividade exercida não implica obrigação de fazer, própria da prestação de serviços”, observou a magistrada. Segundo ela, a hipótese dos autos não se inclui no gênero citado na lista e “nenhuma lei pode pretender determinar como serviço o que não é”.

Fatos geradores

Os fatos geradores dos supostos impostos, conforme a julgadora, derivam de contratos de agenciamento e intermediação. Nesses acordos, a Neymar Sport e Marketing adquire temporariamente o direito exclusivo de exploração comercial dos atributos da personalidade de jogador de futebol, que cede de forma onerosa à empresa os direitos econômicos advindos da sua exibição.

Andrea Roman anotou na sentença que a cessão de imagem e voz não pode ser considerada serviço passível de tributação. “Não há obrigação de fazer ou um esforço humano a fim de prestar serviço. Há uma relação contratual que permite o uso de imagem, nome e voz, portanto, uma obrigação de dar”. Além disso, ela observou que a lista anexa à LC 116/03 não descreve a cessão de direito de imagem e uso de nome e voz.

Diz o artigo 156, inciso III, da Constituição Federal que compete aos municípios instituir impostos sobre “serviços de qualquer natureza, não compreendidos no artigo 155, inciso II, definidos em lei complementar”. Para a juíza, os serviços a que se refere a Carta Magna são os prestados em favor de terceiro, mediante a cobrança de preço, constituindo obrigação de fazer. “O caso tratado nos autos não se amolda à hipótese de incidência.”

Ao julgar os embargos procedentes, a julgadora extinguiu a execução fiscal. Após o trânsito em julgado da decisão, o depósito feito em garantia poderá ser levantado pela empresa. A prefeitura condenada a pagar as custas e despesas processuais, bem como os honorários advocatícios. Independentemente de o ente público recorrer, a sentença será submetida ao segundo grau de jurisdição (reexame necessário).

Sigilo negado

A empresa também havia pedido que o caso tramitasse em segredo de Justiça. Ela alegou que Neymar poderia ter as suas atividades como jogador prejudicadas com a divulgação pela imprensa de dados constantes nos autos. Esse pedido foi apreciado pela juíza Ariana Consani Brejão Degregório Gerônimo, que o indeferiu por não preencher os requisitos legais.

“Da narração dos fatos não se vislumbra subsunção a alguma das hipóteses do artigo 189 do Código de Processo Civil (CPC) a justificar a restrição excepcional à regra da publicidade processual. Aliás, os documentos acostados tratam unicamente de matéria administrativa atinente ao mérito, sem qualquer invasão da intimidade ou direito à privacidade do embargante”, justificou Ariana.

Fonte: Consultor Jurídico.

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