Volume de empresas que faliram depois do processo de recuperação é recorde

O volume de empresas que não conseguiram se reestruturar e foram à falência bateu recorde no fechamento do primeiro semestre. Do total de 147 companhias que encerraram a recuperação judicial no segundo trimestre, quase 30% (43 delas) faliram. É o maior número desde abril de 2023, o início da série histórica do levantamento Monitor RGF, da consultoria RGF & Associados, obtido com exclusividade pelo Valor.

Nas mais recentes edições do levantamento, os casos de falência giravam em torno de 20%. Do total, no segundo trimestre, 58% das empresas conseguiram retornar às atividades sem supervisão judicial, superando o período de recuperação judicial. E 13% tiveram seu registro baixado ou encerrado ou foram classificadas como inaptas ou suspensas por possuírem pendências – situações que podem ser revertidas com a resolução das irregularidades.

O crescimento das falências se deu em meio a um novo recorde no volume de recuperações judiciais. No fim do segundo trimestre, havia um total de 4.965 companhias em processo de reestruturação, um crescimento de 1,7% em relação ao primeiro trimestre e de 17,5% em relação a igual período de 2024.

Segundo especialistas, a alta taxa de juros é o principal motivo tanto para o aumento no número de recuperações judiciais quanto para as conversões em falência. E afirmam que, apesar dos indicadores econômicos do país não estarem tão ruins, a crise no setor empresarial vem se intensificando desde a pandemia.

Ruan Buarque de Holanda, sócio do Moraes & Savaget Advogados, banca especializada em reestruturações, explica que o aumento da taxa básica de juros, a Selic, diminui a atratividade das soluções oferecidas nos planos de reestruturação. “Além do custo de captação, quando as empresas estão em recuperação há muitos anos, tanto o mercado quanto o Judiciário acabam perdendo o interesse e a salvação da empresa fica inviável”, diz Holanda.

José Roberto Savoia, professor da Faculdade de Economia e Administração da Universidade de São Paulo (FEA-USP), avalia que a crise não está concentrada, mas se alastra por diversos setores e Estados. “O juro alto sacrificou o caixa das empresas. Além disso, quando os bancos percebem que a crise é geral, ficam mais cautelosos com o crédito”, afirma. Ele acrescenta que as situações de crise acabam expondo fragilidades financeiras das empresas, que muitas vezes são estruturais e impedem uma recuperação efetiva.

As empresas que convertem a recuperação em falência normalmente já estavam em situação falimentar antes mesmo de iniciar o processo, conforme o advogado e professor da Faculdade de Direito da USP Oreste Laspro. “Nesses casos, a recuperação só adiou o que era inevitável”, diz. “Há empresas que conseguem aprovar um plano de recuperação judicial apenas porque, do ponto de vista dos credores, a alternativa é melhor do que a falência, mas não há intenção real nem condições de cumprimento do plano.”

Savoia lamenta que as falências estejam atingindo negócios tradicionais no país. Foi o caso da fabricante de alimentos Olvebra, instalada em Eldorado do Sul (RS), que operava desde 1955 e fechou as portas em abril deste ano. A empresa pediu recuperação judicial com uma dívida de R$ 450 milhões. Procurada, a Olvebra não deu retorno até o fechamento da edição.

O setor industrial é o segundo do ranking de recuperações judiciais no fim do segundo trimestre, com 1.121 empresas. A liderança ficou com o setor de serviços (1.127 empresas de um total de 4.965). Envolve as áreas de transporte de carga, de apoio administrativo e de aluguel e venda de imóveis, especialmente nos Estados de São Paulo, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul.

Segundo Roberta Gonzaga, sócia da RGF, apesar do aumento no número dos processos de recuperação em todos os trimestres, isso não indica necessariamente algo ruim. “Também quer dizer que a Lei da Recuperação Judicial [nº 11.101/2005] é mais usada”, diz. “Mas aprovar o plano não é suficiente, o que sustenta a virada é disciplina na execução.”

Rodrigo Gallegos, também sócio da RGF, complementa que o cenário tem sido desafiador. As empresas que se endividaram na pandemia de covid-19 não conseguiram se reerguer por causa da alta da Selic. “A crise das Americanas também fez os bancos restringirem o crédito para ajustar seu modelo de concessão”, explica.

Diante disso, acrescenta, as empresas tiveram que recorrer à recuperação judicial para forçar a negociação. “Em alguns setores, a alta do dólar encareceu os insumos, o que também ajudou a aumentar a alavancagem e pressionou o caixa das empresas.”

Apesar do maior número absoluto, a proporção de empresas do setor de serviços em recuperação no fim do segundo trimestre ainda era a menor do país – apenas 0,94 em cada mil. No comércio, a proporção também é baixa, de 1,58, e havia 1.003 empresas em recuperação.

Fabio Bentes, economista-chefe da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), avalia que o comércio e os serviços têm se descolado do setor produtivo devido aos bons indicadores de emprego e à distribuição de renda dos programas sociais. “Os setores de comércio e serviços têm um nível de recuperação mais alto em reação ao período pré-pandemia do que a indústria, por exemplo”, diz.

Na indústria, a proporção de empresas em recuperação é a segunda mais alta do país, de 6,33 a cada mil, mais de três vezes acima da média nacional, que é de 1,97. Lideram o volume de processos (1.121 no fim do segundo trimestre) as empresas de fabricação de açúcar, de embalagens de plástico, confecção de vestuário e fabricação de móveis.

A gaúcha Bakof, fabricante de caixas d’água e cisternas, engrossou a fileira de indústrias que entraram em recuperação no trimestre. Após um incêndio ter paralisado sua principal unidade produtora por 40 dias, a empresa viu seu endividamento crescer para R$ 110 milhões. Procurada, a empresa não deu retorno até o fechamento da edição.

A situação mais delicada é a da agropecuária, com proporção de 11,49 empresas em recuperação a cada mil no país. Embora em números absolutos sejam apenas 388 empresas no total, isso representa um crescimento de 13,8% no segundo trimestre em comparação com o primeiro. A alta é puxada principalmente por 188 empresas de cultivo de soja e 73 de criação de bovinos.

As empresas de incorporação imobiliária lideram o volume absoluto de processos de recuperação entre todos os setores, com 546, três a mais que no trimestre anterior e 232 a mais que no fim de 2024. Apesar disso, o segmento de construção, energia e saneamento, que engloba as incorporadoras, foi o único pilar do levantamento a registrar queda no trimestre, de 0,9%.

Savoia acredita que há espaço para as recuperações judiciais aumentarem. Segundo ele, a crise pode se alongar nas empresas, especialmente por causa do juro alto. “Infelizmente, não podemos afirmar que chegamos ao ápice.”

Por outro lado, o tarifaço do presidente dos Estados Unidos Donald Trump pode gerar efeitos colaterais positivos, se obrigarem as exportadoras a desovar a produção no mercado interno, afirma Ricardo Humberto Rocha, professor de Finanças no Insper. “Se as empresas começarem a vender no mercado interno, talvez a inflação estabilize, o que abre um certo espaço para o Banco Central baixar o juro. Mas, claro, se não tivermos novas notícias ruins.”

Fonte: Valor Econômico.

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