Incluído no ordenamento jurídico pela Lei 11.101/2005, o instituto da recuperação judicial completa duas décadas com números recordes, evidenciando seu papel de antídoto à insolvência empresarial.
Dados da Serasa Experian mostram que, em 2024, o número de empresas com autorização para iniciar o processo de recuperação judicial saltou 69% em relação ao ano anterior, passando de 1.139 para 1.921 — o maior nível desde a aprovação da lei. Entre os pedidos de uso do instrumento, a alta foi de 62%, de 1.405 para 2.273, também o patamar mais elevado desde 2005.
Já o total de falências decretadas, que aumentou em 2023 após três anos consecutivos de queda, registrou nova alta: 7,3% (de 727 para 780). Entre os pedidos, houve ligeira redução de 3,5%. O volume de empresas que faliram após a recuperação judicial também atingiu nível recorde no segundo trimestre de 2025: 30%. O índice ficava em torno dos 20% e, em alguns períodos, próximo dos 10%, de acordo com o Monitor da Recuperação Judicial, produzido pela RGF & Associados.
Advogados que atuam em insolvência ouvidos pelo Anuário da Justiça apontam que são múltiplos os fatores que explicam este aumento, como taxa de juros elevada, efeitos residuais da pandemia, consolidação do uso da RJ junto aos produtores rurais e até eventuais abusos, como adesão à recuperação apenas para se valerem do stay period e se blindarem de execuções.
Tradicionalmente associada a grandes corporações, a recuperação judicial tem se expandido para empresas de pequeno e médio portes e, mais recentemente, para produtores rurais. O levantamento da Serasa revelou que o impacto das RJ foi mais acentuado entre micro e pequenas empresas, responsáveis por puxar a alta recorde das solicitações, com 1.676 requerimentos (74% de todas as recuperações requeridas). Na sequência, vieram as empresas de porte médio, com 416 pedidos, e as grandes companhias, com 181 registros.
Outro levantamento da Serasa aponta que, em 2024, o agronegócio registrou 1.272 pedidos de recuperação judicial. O número mais que dobrou em relação a 2023, quando foram contabilizados 534 requerimentos. O volume engloba três tipos de requerentes: pessoas físicas, pessoas jurídicas e empresas ligadas ao setor. A reforma da Lei de Recuperação Judicial e Falências, promovida pela Lei 14.112/2020, incluiu expressamente o produtor rural pessoa física no alcance do instituto. “A recuperação judicial ficou muito popular entre os produtores rurais. A mudança na lei, na verdade, consolidou a jurisprudência já existente”, disse a advogada e administradora judicial Lívia Gavioli Machado, sócia da Ativos Administração Judicial e Consultoria Empresarial. Antes mesmo de a reforma da lei entrar em vigor, o Superior Tribunal de Justiça já havia firmado o entendimento de que produtores rurais poderiam requerer recuperação judicial, mesmo sem registro prévio de dois anos na Junta Comercial.
Machado cita a influência de fatores econômicos nesse recorde de pedidos de recuperação, especialmente nos casos de quem atua com importações e exportações, como os produtores rurais. Entre os entraves, estão a dificuldade de acesso ao crédito, a volatilidade cambial, a manutenção da Selic em patamares elevados, questões climáticas e resquícios de dívidas da pandemia. “Muitas das empresas que entram em RJ já estão com dívidas repactuadas. São passivos que contraíram ainda durante a pandemia para manter seus negócios e que, por conta do cenário econômico, não conseguiram se estabilizar”, explicou.
Em agosto de 2025, a enxurrada de pedidos de recuperação judicial entre produtores rurais resultou em conflito público entre o Banco do Brasil e a OAB. Ao anunciar queda de 60% no lucro do banco no segundo trimestre de 2025 e atribuí-los, em grande parte, à inadimplência de clientes do agronegócio que entraram em recuperação judicial sem antes buscar acordo com o banco, a presidente do BB, Tarciana Medeiros, afirmou que parcela significativa desses clientes está sendo ludibriada por escritórios de advocacia ao incentivá-los a aderirem à RJ. Ela ameaçou processar esses escritórios, acusando-os de advocacia predatória. A OAB reagiu: “É inaceitável que, em pleno 2025, uma integrante do primeiro escalão do governo, líder de um dos maiores bancos do país, tente criminalizar o exercício legítimo da advocacia.”
Fonte: Conjur.




