Máquina de cobrar. Fim da prisão por dívida afeta crédito e ações trabalhistas.

por Alessandro Cristo


A proibição da prisão por dívidas — exceto em caso de pensão alimentícia — declarada pelo Supremo Tribunal Federal no início do mês já promete mudanças tanto no mercado quanto na Justiça. Os primeiros alvos são os contratos para concessão de crédito na compra de veículos e as ações de cobrança de dívidas trabalhistas.


Usada em grande escala na compra de automóveis, a alienação fiduciária deve passar a ser a última opção dos compradores. É o que estima o advogado Carlos André Magalhães, do escritório Magalhães Advogados Associados, especialista em Direito Econômico. Ele explica que, nesses contratos, o consumidor se compromete a ser depositário do automóvel enquanto paga o parcelamento. Mas, com a proibição da prisão por dívidas, como definiu o STF, a garantia das financiadoras diminui.


“Os prêmios de seguro cobrados no financiamento tendem a ser maiores, assim como as taxas de financiamento”, esclarece o advogado. Os juros ao consumidor também devem aumentar, segundo Magalhães. “A possibilidade de se recuperar o bem agora é menor. A prisão era o principal mecanismo de combate à inadimplência.”


No dia 4 de dezembro, o Plenário do STF declarou ilegal tanto a prisão do depositário infiel, prevista no Código de Processo Penal, como a prisão do devedor em alienação fiduciária, equiparado ao depositário infiel por meio de lei. Os ministros entenderam que o Pacto de São José da Costa Rica, que proíbe a prisão civil exceto em caso de pensão alimentícia e que foi assinado pelo Brasil e ratificado pelo Congresso Nacional, tem hierarquia superior às leis ordinárias e complementares. Para os ministros, o pacto fica abaixo da Constituição Federal, segundo interpretação dada pela Emenda Constitucional 45/04.


Por conta da proibição, o interesse daqueles que vendem e compram a crédito deve se voltar para o leasing, tipo de contrato em que o bem, embora fique com o contratante, não é dele até que as parcelas e o saldo devedor sejam quitados. Segundo o advogado Magalhães, o mesmo movimento deve acontecer na indústria de base, que adquire bens de capital.


A Justiça do Trabalho também espera maior dificuldade. Em caso de dívidas cobradas na Justiça, boa parte dos processos inclui a penhora de bens dos empregadores, como maquinário, automóveis e imóveis, por exemplo, que ficam sob a guarda do chamado depositário. O fim da prisão do depositário infiel tirará da Justiça o poder de punir o empregador que vender, danificar ou extraviar a garantia da dívida. “O infiel ainda responderá pessoalmente pelo bem, mas não poderá mais ser detido. Perdemos uma arma”, diz o presidente da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra), o juiz Cláudio José Montesso.


Mesmo afirmando que o Supremo acertou na decisão, o resultado disso, segundo Montesso, será um círculo vicioso nos casos em que os devedores perderem os bens penhorados. “Terão de ser abertos processos de execução contra os depositários, paralelos aos processos de execução das dívidas trabalhistas”, afirma.


O presidente destaca, porém, que existe ainda a hipótese de prisão para empregadores inadimplentes. “Há quem entenda que créditos trabalhistas têm natureza alimentar porque garantem o sustento dos empregados. Para esses créditos, a prisão ainda pode ser decretada”, explica. Pessoalmente, no entanto, ele não acredita que isso seja motivo para se prender o devedor. “Em muitos casos, o oficial de Justiça não encontra ninguém no local e nomeia um dos funcionários como depositário. Se o bem é vendido, ele pode ser preso injustamente”, diz.


O problema só não deve impactar tanto devido ao recurso da penhora online, hoje utilizada largamente pelos juízes, segundo a advogada Isadora Petenon Braslauskas, da Advocacia Celso Botelho de Moraes. “Ultimamente, a figura do depositário na Justiça do Trabalho vem caindo em desuso. A penhora online é o meio mais eficaz de garantia da execução”, diz. A ferramenta permite que juízes cadastrados no sistema Bacen-jud bloqueiem valores diretamente nas contas bancárias de empresas e sócios.


Para Cláudio Montesso, embora a penhora online seja eficaz e esteja em uso há algum tempo, muitas ações trabalhistas ainda têm depositários. “Nem sempre se encontram recursos nas contas bancárias”, afirma.


HC 87.585

Fonte: Conjur

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