Cláudia Petit Cardoso – A Receita Federal do Brasil agiu rapidamente e nem esperou a virada do ano para anunciar que, em 2009, vai apertar a fiscalização sobre as grandes empresas. A mesma orientação deverá vir de Estados e municípios. Em períodos de recuo da atividade econômica, é inevitável a queda da arrecadação, da qual os governos federal, estaduais e municipais dependem para manter a máquina funcionando e para levar adiante os projetos de investimento. A Receita avisa que não dará trégua e que usará de todos os meios legais para manter o nível de arrecadação.
A Portaria nº 2.521, publicada no Diário Oficial da União de 31 de dezembro de 2008, apresentou dois tipos de acompanhamento para as empresas neste ano: um diferenciado, para as médias, e um especial, para as grandes. O leão está nervoso e deixa explícito que não permitirá qualquer tipo de sonegação – uma saída tentadora quando o caixa enfrenta dificuldades urgentes, como honrar compromissos com fornecedores e pagar salários.
O acompanhamento econômico-tributário é um sistema de fiscalização das empresas que existe desde junho de 2001, tendo sido instituído, na época, pela Portaria nº 578, de 11 de junho de 2001, da então Secretaria da Receita Federal, e que entrou em vigor em julho de 2001. A partir de 12 de novembro de 2007, o acompanhamento econômico-tributário foi disciplinado pela Portaria nº 11.211.
O acompanhamento diferenciado e o especial verificam, periodicamente, os níveis de arrecadação de tributos administrados pela Receita em função do potencial econômico-tributário das pessoas jurídicas, bem como das variáveis macroeconômicas de influência. O acompanhamento diferenciado e o especial são, na verdade, o monitoramento da arrecadação e do tratamento das informações relacionadas com o crédito tributário, utilizando-se os dados disponíveis nos sistemas informatizados da Receita e as informações coletadas junto a fontes externas. Uma fiscalização, portanto, muito mais próxima.
A portaria não deixa dúvidas. Estarão sujeitas ao acompanhamento diferenciado as pessoas jurídicas sujeitas à apuração do lucro real, presumido ou arbitrado e que, em 2007, tiveram receita bruta anual superior a R$ 65 milhões. Também serão alvo as empresas com dívidas tributárias superiores a R$ 6,5 milhões, folha salarial superior a R$ 9 milhões e débitos de FGTS e de Previdência superiores a R$ 3 milhões. Além disso, de modo geral, estarão na mira as pessoas jurídicas de direito público que operem em setores econômicos relevantes e que tenham efetuado indevidamente compensações de tributos nos termos do artigo 74 da Lei nº 9.430, de 27 de dezembro de 1996.
Ao acompanhamento especial estarão sujeitas as empresas com receita bruta superior a R$ 350 milhões em 2007, dívidas tributárias de mais de R$ 35 milhões, massa salarial também superior a R$ 35 milhões, além de débitos com FGTS e Previdência de mais de R$ 12 milhões. Idêntico acompanhamento especial terão as pessoas jurídicas sucessoras nos casos de incorporação, fusão ou cisão total ou parcial ocorridos em 2008.
O nervosismo do leão está explícito na frase no final da portaria: “O acompanhamento especial compreende a execução de todas as ações necessárias para assegurar tratamento prioritário e conclusivo às demandas e pendências relacionadas às pessoas jurídicas indicadas”. Por tratamento conclusivo entenda-se prioritário entre as demais atividades da Receita.
De sua parte, as empresas terão que agir rigorosamente dentro da lei. Tarefa mais fácil é pagar os tributos sabidamente devidos. Mais complicado, em meio ao cipoal de leis tributárias, é demarcar onde, quando e como pode haver compensação de tributos ou mesmo contestação de cobranças na Justiça. Muitas vezes, as empresas, por desconhecimento da legislação, não pagam tudo o que devem ou recolhem ao fisco o que não precisariam recolher.
Com a obrigatoriedade do Sistema Público de Escrituração Digital (Sped) e com esses acompanhamentos mais rígidos, as empresas terão que redobrar a atenção no cumprimento de suas obrigações fiscais, sejam elas principais ou acessórias, para não serem surpreendidas em operações de fiscalização. Mais uma vez, a presença de profissionais especializados, incluindo consultores e bons tributaristas, é indispensável nesse momento no qual existe a necessidade de muito planejamento e controle na área tributária.
Na outra ponta, União, Estados e municípios, além dos poderes Legislativo e do Judiciário, devem fazer sua parte, reduzindo a carga tributária, mantendo incentivos fiscais às empresas, especialmente às que mais geram empregos, e apoiando iniciativas que evitem demissões. O desemprego desestimula os jovens, destrói sonhos, desestrutura famílias e induz à violência quando não há como as pessoas satisfazerem suas necessidades vitais. O rugido do leão não pode ignorar essa realidade.
Um olhar sobre 2008 mostra que o fisco vai muito bem. Sem a CPMF, que garantia R$ 40 bilhões por ano à União, a arrecadação subiu de R$ 926 bilhões em 2007 para R$ 1,06 trilhão em 2008, uma alta de 14,5%. Mesmo descontada a inflação de 7,6%, pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) do IBGE, o aumento do peso da mordida foi considerável. A Receita está correta ao fiscalizar, desde que o governo esteja consciente de que é hora de cortar gastos, de evitar desperdícios, mantendo os investimentos que mantenham a economia em movimento e gerem empregos.
Cláudia Petit Cardoso é advogada tributarista e sócia do escritório Peixoto e Cury Advogados
Fonte: Valor Econômico