A nova fiança e os crimes empresariais

Por Nathália Rocha de Lima

A nova regulamentação do instituto da fiança tem surtido efeitos deletérios aos empresários que se encontram sob acusação formal do Estado. Promulgada em maio do ano passado, a Lei nº 12.403, de 2011, imprimiu alterações substanciais e sistemáticas ao instituto da prisão provisória, apresentando uma série de medidas cautelares alternativas, dentre elas, a fiança.

A fiança foi inserida na legislação brasileira para conferir ao preso em flagrante a prerrogativa de caucionar valor ao Estado e assegurar o direito de responder ao consequente processo penal em liberdade.

Por muito tempo, essa caução onerosa serviu como passaporte à liberdade dos réus flagrados no cometimento de crimes. Nesse meio tempo, o dispositivo legal que trata da prisão em flagrante foi modificado, acrescido de preceito que, resumidamente, determina a revogação dessa prisão sob certos requisitos e condições, sem qualquer ônus monetário. As regras da fiança coexistiram inalteradas e vigentes. Entretanto, a fiança foi deixada de lado.

Assim, na realidade que precedeu a norma em comento, na prática as possibilidades eram apenas duas, antagônicas: o acusado respondia livre à persecução criminal do Estado; contudo, com prova de que oferecia risco ao bom andamento do processo, era ele mantido ou recolhido à prisão. A fiança perdeu espaço e foi esquecida em desuso.

A Lei nº 12.403/11, não imune a críticas, foi recebida com aplausos por nortear a interpretação constitucional do sistema processual penal, no sentido de que a liberdade é a regra e a prisão é a exceção das exceções. Nesse mister, foi estabelecida uma série de medidas menos gravosas que substituem a prisão. Nesse rol é prevista a medida cautelar fiança, resgatada a sua aplicação prática aos casos em que, embora presentes os requisitos legais que autorizam o cárcere, a caução monetária for suficiente para cumprir a até então sua função: assegurar a efetividade da decisão judicial.

A despeito dessa função cautelar, não tardou surgirem os primeiros sinais que apontam como se pretende utilizar o novo instituto da fiança: um instrumento de prestação de contas à sociedade pelos pretensos crimes midiáticos, sobretudo os cometidos por empresários.

É de meridiano consenso que a sociedade se revolta tão logo uma figura pública, presa sob a acusação de crimes econômicos, é noticiada pela mídia de sua soltura. Na consciência social é incutida a noção de impunidade, não importando o respaldo legal que fundamenta a decisão judicial que decreta a liberdade. A pressão da sociedade, alimentada pela mídia, acaba por afetar o juiz. Não há dúvida de que o ser humano por trás da toga já fincou o pé, ou a caneta, para manter em cárcere aquele a quem a mídia vinculou a imagem a duas figuras – crime e cifrões.

A nova fiança, para ressurgir nos quadros jurídicos com eficiência e eficácia, teve seus valores substancialmente majorados. Atualmente, o seu valor pode atingir o teto de R$ 110 milhões. Essa sensível mudança pode ter incitado o desvirtuamento de sua função cautelar.

A verificação da situação econômica do investigado era feita depois da decisão de arbitramento da fiança, a fim de se determinar o cálculo de um valor justo. No novo cenário que se tem delineado, esse mesmo fator da situação econômica tem influenciado a própria decisão pela aplicação da fiança, notadamente aos empresários que se encontram sob investigação criminal, em detrimento da merecida liberdade. A princípio, a diferença parece tênue. Na prática, é avassaladora.

Nas grandes repercussões midiáticas de crimes cometidos por empresários, especialmente aqueles que detêm certa projeção, a colocação do investigado em liberdade vinha desafiando o ego dos expectadores. O habeas corpus, para alguns sinônimo de justiça e liberdade, para parte da sociedade tem simbolizado a desigualdade econômica que flagela o país. Afinal, rico não fica na cadeia.

Com o advento da Lei nº 12.403, de 2011, a nova fiança tem sido estrategicamente escolhida como meio-termo. Nessa sorte, para que a liberdade daquele que foi ilegalmente preso não escandalize a sociedade alvoroçada pela mídia, a demandada punição pedagógica lhe atinge o bolso.

Assim, paulatinamente, a aplicação de altos valores de fiança vem se tornando medida substitutiva do direito pleno à liberdade e não da prisão preventiva, a contrasenso do que pretendeu o legislador quando trouxe aquela de volta. A fome da sociedade por punição é satisfeita com as fianças milionárias.

O instituto da fiança tem se tornado um instrumento de vingança social, quando deveria representar uma alternativa benéfica ao acusado. Nos estritos termos da nova lei, se o acusado não oferece risco efetivo ao processo criminal pelo qual responde, não lhe cabe a prisão, muito menos a fiança, mas a incondicionada liberdade. É necessário que os aplicadores do direito tenham coragem de proteger o direito constitucional da presunção de inocência e mantenham livres aqueles que têm o direito de estarem livres.

Nathália Rocha de Lima é advogada, sócia do escritório Lucon Advogados

Fonte: Valor Econômico

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