A produção de commodities, assim como os demais setores do agronegócio, tem se tornado extremamente complexa, pois envolve inúmeras atividades nos mais diversos segmentos que o compõem.
Além de ser uma atividade com demandas e necessidades bastante específicas, tornou-se inafastável a necessidade de financiamento para fomentá-la. Isto exige do produtor rural o conhecimento das ferramentas financeiras disponíveis e, muitas vezes, a oneração de seu patrimônio, além do comprometimento de parte da produção como forma de viabilizar o acesso aos recursos financeiros de que necessita. Por outro lado, fornecedores de insumos, diante da ausência de financiamento público e mesmo de instituições financeiras privadas, passaram a assumir o risco do crédito, intermediar ou garantir a seus clientes – produtores rurais – o acesso ao financiamento da safra.
Falhas no planejamento financeiro e estratégico de negócios, somadas às dificuldades enfrentadas nas safras de 2004/2005 e 2005/2006 (principalmente câmbio e preços defasados) contribuíram para que surgisse uma grave crise no setor. Com isso, vieram também os problemas de crédito, de liquidez e de cumprimento das obrigações até então assumidas pelos produtores rurais com as empresas de insumos e instituições financeiras públicas e privadas.
Foi mais ou menos diante desse cenário – em se tratando do setor de agronegócios -, que em 9 de fevereiro de 2005 foi sancionada a Lei nº 11.101, denominada como Lei de Falências e de Recuperação de Empresas, que surgia para substituir o tão obsoleto Decreto-Lei nº 7.661, de 1945, que há muito tempo já não se mostrava como um caminho alternativo para empresas em dificuldades financeiras.
Especificamente na área de agronegócios, muito se tem discutido a respeito das recuperações judiciais requeridas pelos produtores rurais pessoas físicas, que costumeiramente desenvolvem suas atividades sem a constituição de uma pessoa jurídica. O tema tem sido bastante recorrente nos tribunais, sobretudo nas regiões em que tal atividade está mais presente.
A Lei da Recuperação Judicial é destinada às sociedades empresárias e também aos empresários. Seria, então, o produtor rural pessoa física empresário e, portanto, titular do direito de requerer os benefícios da recuperação judicial?
Empresário, para o Código Civil, é a pessoa que exerce profissionalmente a atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços, ou seja, aquele que explora atividade econômica por meio da organização dos quatro fatores de produção – capital, mão-de-obra, insumos e tecnologia.
Na prática, no entanto, em especial no setor de agronegócios e nos longínquos lugares em que tal atividade se desenvolve, nem sempre é fácil distinguir quem é empresário de quem não é.
Não basta saber se determinado produtor rural de fato organiza os quatro fatores de produção já citados, para se concluir que ele é empresário e, portanto, passível de requerer a recuperação judicial.
Isto porque, há disposição específica na legislação brasileira (artigo 971 do Código Civil), que prevê a equiparação do produtor rural ao empresário (com todos os direitos e deveres), se, e somente se, aquele tiver requerido seu registro junto ao Registro Público de Empresas Mercantis de sua localidade.
Portanto, se o produtor rural exerce profissionalmente atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços, com a organização dos fatores de produção e se inscreve no Registro Público de Empresas Mercantis, será considerado empresário nos termos da lei, e como tal, poderá requerer a recuperação judicial.
Assim, o entendimento mais acertado e consonante com o próprio espírito e disposição da lei é o de que somente o produtor rural pessoa física, que exerça sua atividade econômica de forma profissional e com a organização dos fatores de produção para produção ou a circulação de bens ou de serviços e com registro no Registro Público de Empresas Mercantis, é quem pode requerer o benefício da recuperação judicial. Portanto, os produtores rurais que exercem a atividade, ainda que empresários, sem o respectivo registro, estão impedidos de requerer tal benefício.
Embora muitos produtores rurais (pessoas físicas não inscritas nas Juntas Comerciais de seus Estados) estejam pleiteando o benefício da recuperação judicial, o Poder Judiciário tem, na medida do possível, impedido a concessão do benefício aos que a ele não fazem jus.
A exigência da prévia inscrição dos produtores rurais nas Juntas Comerciais de seus Estados para que possam ser beneficiados pela recuperação judicial, não pode ser considerada (como muitos entendem) mera formalidade, já que é exigência legal, e como tal não pode ser abrandada. É a referida inscrição que equipara o produtor rural ao empresário e que confere ao primeiro todos os direitos e deveres inerentes ao segundo, incluindo-se, aí, o benefício da recuperação judicial, como todos os ônus e bônus a ela inerentes.
Pensar de modo contrário pode abrir perigoso caminho de enfraquecimento do princípio da segurança jurídica, na contramão do espírito da lei.
Celso Umberto Luchesi e Eliana Cavalcante de Moura são, respectivamente, mestre em direito das relações sociais PUC-SP e coautor da obra “Proteção de Cultivares – Aspectos Jurídicos”; especialista em direito processual civil pela PUC-Cogeae e em direito empresarial pela Universidade Presbiteriana Mackenzie
Fonte: Valor Econômico