Adoção do IFRS nos EUA poderá atrasar

Por Fernando Torres | De Nova York.

O caminho dos Estados Unidos rumo ao padrão de contabilidade internacional, adotado no Brasil e mais de cem países, recebeu dois sinais importantes nesta semana.

O positivo – ao menos para aqueles que sonham com um padrão contábil global único – é que o Conselho de Normas Internacionais de Contabilidade (Iasb), órgão com sede em Londres que escreve as normas contábeis conhecidas pela sigla IFRS, anunciou que pode considerar uma mudança na regra contábil internacional que trata de instrumentos financeiros e aproximá-la da visão americana.

O sinal negativo, embora não oficial, é um possível atraso no anúncio da Securities and Exchange Commission (SEC), órgão regulador do mercado de capitais dos EUA, sobre a adoção do IFRS. A decisão foi prometida no início do ano passado para 2011, mas o plano de trabalho da área técnica que servirá de base para a decisão da SEC ainda não está pronto.

Do ponto de vista das empresas brasileiras, é interessante que os EUA usem o mesmo sistema contábil adotado no Brasil, já que os investidores do maior mercado mundial ficariam completamente familiarizados com a contabilidade delas, o que as torna potencialmente mais atraentes.

Pode haver redução de custos também. Embora o IFRS seja permitido para empresas estrangeiras que têm recibos de ações negociados nos EUA, as companhias brasileiras que já são listadas há mais tempo ainda usam o padrão contábil americano (US Gaap), preferido pelo investidor local.

A disposição do Iasb de pelo menos avaliar a conveniência de mudar o IFRS 9, que trata de classificação e mensuração de instrumentos financeiros, foi comemorada por Leslie Seidman, presidente do Fasb, órgão que edita as normas do US Gaap. “Não sei qual será a decisão final, mas sem dúvida é um passo muito positivo para tentar reduzir nossas diferenças nessa área”, disse ela, que participou de um evento organizado pela Standard & Poor’s em Nova York na segunda-feira. Ao mesmo tempo que evitava antecipar o caminho que será seguido por seus colegas de Londres, Leslie não conseguia esconder seu entusiasmo.

Alcançar um ponto comum sobre a regra contábil de instrumentos financeiros é considerado um ponto fundamental para que o US Gaap e o IFRS fiquem mais próximos. E o Fasb já mostrou alguma flexibilidade, ao recuar de uma proposta apresentada em 2010 em que sugeria que praticamente todos os ativos e passivos financeiros de uma empresa fossem registrados pelo valor de mercado – ao contrário do que defendia o Iasb. Pela abordagem mais recente do Fasb, alguns empréstimos, a dívida da própria empresa e depósitos poderiam ser registrados pelo custo.

Já o Iasb vinha relutando em rever o IFRS 9 porque a norma foi editada há apenas dois anos, depois de ampla discussão pública, ainda que seu uso obrigatório só esteja previsto para 2013, com possibilidade de adiamento para 2015. O que o Fasb rejeita categoricamente no IFRS 9, com base nos comentários que recebeu do público, é a possibilidade de se ter ativos financeiros que sejam negociados em mercados organizados registrados pelo custo amortizado. Na regra internacional, isso é permitido se a entidade evidenciar que, no seu modelo de negócio, a ideia é manter os ativos até o vencimento e receber seus fluxos financeiros – como os juros de um título de dívida, por exemplo.

Em relação à agenda da SEC para decidir se os EUA seguirão um processo de adoção ou adaptação ao IFRS, um eventual atraso não está definido oficialmente e tampouco significa que o órgão está pendendo mais para dizer não ao padrão internacional.

Segundo James Kroeker, chefe da área de contabilidade da SEC, o fato é que o processo de convergência das normas entre Fasb e Iasb andou de forma mais lenta do que a prevista pela SEC em 2010. “Não é uma visão negativa sobre o que foi feito neste ano até agora, mas que achávamos que o avanço seria maior. Ainda que as razões [para o atraso no processo] sejam legítimas”, disse ele, acrescentando que o mais importante é ter um “ponto de partida sólido.”

Ele se recusou, no entanto, a dizer se seus comentários significavam, na prática, um adiamento do anúncio sobre o IFRS. “Essa é uma decisão da diretoria.”

Em 2010, a agenda de discussão do Fasb e do Iasb era mais ampla, mas alguns assuntos foram retirados da pauta, para que os órgãos concentrassem esforços em áreas chave como instrumentos financeiros, reconhecimento de receita e leasing. Dada a complexidade dos temas, optou-se por colocar alguns deles novamente em audiência pública.

Na área de instrumentos financeiros, a SEC gostaria de ver resolvida e harmonizada a contabilização das operações de proteção (hedge) contra variações de preços. Mas para Leslie, a presidente do Fasb, não há como tratar do assunto sem antes definir a classificação e mensuração dos instrumentos financeiros. “No meu ponto de vista, a contabilidade de hedge não está entre as prioridades. Melhor chegar antes a um acordo sobre a parte básica da regra de instrumentos financeiros.”

Faltam resolver questões práticas para a decisão da SEC. A equipe de Kroeker ainda está elaborando o plano de trabalho que será usado como base para o posicionamento do órgão, o que ele promete se esforçar para concluir nas próximas semanas. Mas mesmo que o documento fique pronto, é possível que a diretoria da SEC queira mais tempo para avaliar as informações da apresentadas pela área técnica.

Nesse relatório, haverá, entre outros pontos, um mapeamento sobre as diferenças que ainda existem entre US Gaap e IFRS, bem como um estudo sobre a consistência da aplicação do padrão contábil em diferentes países.

Esse último ponto, aliás, que também está em pauta no Brasil, foi destacado por Kroeker durante sua apresentação. “Não basta ter o pronunciamento [único global]. Temos que ter consistência no processo de auditoria em todo mundo e também por parte dos reguladores”, disse, citando o caso da recente contabilização dos títulos da dívida grega de diferentes formas na Europa, o que levou o presidente do Iasb, Hans Hoogervorst, a escrever uma carta alertando o órgão europeu que fiscaliza o mercado de capitais.

Fonte: Valor Econômico

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