Ajuste bilionário

Por Fernando Torres e Ana Paula Ragazzi | De São Paulo

É sabido que boa parte das companhias abertas não tem muito apreço pelas medidas contábeis na hora de divulgar seus resultados financeiros. A fixação de analistas e investidores pela geração de caixa diminuiu a importância que os gestores dessas empresas dão ao bom e velho lucro líquido, na mesma medida em que o Ebitda (sigla em inglês para lucro antes do resultado financeiro, de impostos sobre o lucro, depreciação e amortização) virou o principal foco da administração.

Mas o Ebitda, que não é uma medida contábil e já desconta muitas linhas “negativas” do resultado, também não atende mais ao gosto de um grupo crescente de companhias.

A medida preferida de resultado delas passou a ser, então, o Ebitda ajustado. Muitas nem dão “sobrenome” ao indicador, se limitando a colocar uma nota de rodapé para esclarecer que o Ebitda que aparece na tabela dos comunicados ao mercado tem suas peculiaridades.

Esses ajustes têm proporções que merecem a atenção dos investidores. Em um grupo de 15 companhias identificadas pelo Valor, o Ebitda ajustado foi 35% maior que o Ebitda “puro” apresentado pelas empresas no primeiro semestre deste ano. Sem o ajuste, ou seja, considerando apenas o que as letras da sigla Ebitda significam, a soma dos resultados ficou em R$ 5,22 bilhões. Após os acertos feitos pelas companhias para divulgação ao mercado, o montante aumenta em R$ 1,84 bilhão, para R$ 7,06 bilhões.

Na análise do lucro, a diferença percentual foi ainda maior, de 70%. O resultado líquido publicado somado de um grupo de sete companhias selecionadas foi de R$ 806 milhões no primeiro semestre de 2011. O lucro ajustado divulgado ao mercado somou R$ 1,37 bilhão, com uma diferença positiva de R$ 570 milhões.

Os casos que mais chamaram a atenção no primeiro semestre foram os da Positivo Informática e o da Camargo Corrêa Desenvolvimento Imobiliário (CCDI).

A fabricante de computadores teve prejuízo de R$ 118 milhões de janeiro a junho deste ano. Na segunda página do seu comunicado sobre resultados, no entanto, o leitor verá um resultado líquido ajustado negativo de apenas R$ 24 milhões.

O principal motivo para a diferença, detalhado na página 20 do comunicado, está no fato de que, no segundo trimestre, a empresa reconheceu uma perda de R$ 94,7 milhões no valor de estoques que estavam com ela ou com terceiros, além de ter baixado do ativo peças usadas sem valor de recuperação. A empresa diz que o ajuste não teve efeito no caixa no momento da baixa. Isso é fato: o dinheiro foi gasto quando o estoque foi formado. Mas também é fato que a contabilidade segue o regime de competência, não o de caixa.

O caso da CCDI é semelhante, embora com apresentação diferente. A empresa reviu seus orçamentos de obras e verificou que o custo de construção de alguns empreendimentos foi maior do que o originalmente previsto. O impacto negativo registrado no segundo trimestre foi de R$ 90,1 milhões.

A empresa divulga o resultado oficial registrado com destaque logo na primeira página do seu comunicado ao mercado e acrescenta um dado que chama de pro forma, que desconta esse ajuste e efeitos extraordinários do período.

Procurada na sexta-feira, a Positivo não deu uma resposta até o fechamento desta edição. A CCDI disse que as informações que poderia prestar já estavam no seu comunicado ao mercado.

Nesses dois casos, as diferenças mais relevantes têm ligação com eventos que realmente não se repetem com frequência.

Nos demais identificados pelo Valor, o que ocorre é um ajuste sistemático, que se repete em todas ou quase todas as divulgações de resultado trimestral.

Embora os analistas setoriais especializados já estejam habituados aos ajustes, para o investidor comum é importante conhecer alguns deles.

Empresas que realizam aquisições com frequência, como a companhia de bens de consumo Hypermarcas e a rede de ensino Anhanguera, estão entre aquelas que fazem ajustes repetidamente.

O diretor financeiro e de relações com investidores da Hypermarcas, Martim Prado Mattos, diz que desde a abertura de capital, em 2008, a companhia adotou a prática de retirar da conta do Ebitda as despesas e receitas extraordinárias ligadas às 19 aquisições que ocorreram no período.

Para ele, é exatamente para isso que serve o comunicado sobre resultados preparado pela área de relações com investidores. “É uma tradução, na visão da administração, de como foram os resultados. Senão bastaria divulgar o ITR.”

O que é essencial, afirma o executivo, é que fique claro para os investidores os ajustes que foram feitos. “Aí cada um interpreta da forma que quiser. Tem gente que usa o ajustado e tem gente que não”, explica o executivo.

Ele destaca ainda que o resultado ajustado é mais comparável com o de anos anteriores. Por exemplo, ele cita que a migração para o padrão contábil tirou do resultado as comissões pagas em ofertas de ações, mas incluiu despesas com advogados e bancos em operações de aquisição, que antes se refletiam apenas nas contas do balanço patrimonial.

Além dos resultados considerados não recorrentes, a Hypermarcas, assim como muitas empresas, exclui do Ebitda divulgado as despesas com plano de opção de ações para os executivos. “É um lançamento contábil. Do ponto de vista do caixa, não tem saída”, afirma o executivo.

No caso da Anhanguera, o lucro ajustado desconta diversos lançamentos sem efeito caixa, como o ajuste ao valor presente do resultado financeiro, o Imposto de Renda diferido e a amortização de ágio da carteira de clientes de empresas adquiridas.

No cálculo do Ebitda, despesas e receitas consideradas não recorrentes também são excluídas.

Segundo Ricardo Scavazza, vice-presidente financeiro da Anhanguera, a divulgação de resultados ajustados é importante para favorecer a análise e para que o investidor entenda os efeitos de aspectos operacionais sobre o negócio. Ele ressalta que os ajustes são feitos tanto se forem positivos quanto negativos para o resultado final. “Nós chamamos atenção tanto para um ganho não recorrente para aquele período como, se for o caso, para despesas extraordinárias”, diz.

O executivo afirma ainda que o investidor tem à sua disposição o resultado contábil e os ajustes. Assim, se alguém discordar da classificação de determinado item como não recorrente pela companhia, é possível não levar esse ponto em consideração.

Mas não são apenas essas empresas que divulgam números ajustados.

A BM&FBovespa, por exemplo, divulgou lucro líquido ajustado de R$ 793 milhões no primeiro semestre, 40% maior que medida contábil, que foi de R$ 564 milhões. A diferença se deve ao desconto de um passivo diferido de Imposto de Renda ligado à amortização do ágio gerado na fusão da Bovespa com a BM&F.

Questionada sobre por que considera relevante divulgar os dois dados, a bolsa informou que o resultado ajustado “é um número gerencial apresentado pela empresa para refletir de forma mais apropriada a geração de caixa da companhia”. A empresa diz que a metodologia “é divulgada de forma bastante transparente, de forma que fica a critério de cada analista ou acionista utilizar ou não o conceito de lucro líquido ajustado”.

Redecard e Cielo, que atuam como credenciadoras de estabelecimentos que aceitam cartão de crédito e débito, somam ao Ebitda o resultado financeiro que obtêm com a antecipação de recebíveis aos clientes. Apesar de a norma contábil não abarcar essa avaliação, a Redecard disse, em resposta, por e-mail, que “entende que essa atividade faz parte do seu resultado operacional”.

A companhia disse ainda que as demonstrações contábeis são suficientes para que o leitor possa montar e analisar o Ebitda e acrescenta que, conforme ofício da CVM, também apresenta uma reconciliação do Ebitda ajustado nos seus comunicados ao mercado.

A Cielo preferiu não dar entrevista sobre o assunto.

Entre as procuradas, B2W, Rossi e Pão de Açúcar não responderam aos pedidos de entrevia. A Viver (ex-Inpar) disse que não tinha porta- voz disponível para falar e a Multiplan argumentou que está em período de silêncio por conta de uma emissão de debêntures.

Fonte: Valor Econômico

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