Câmara propõe “código de defesa” para ampliar direitos do pagador de impostos

O deputado federal Felipe Rigoni (União Brasil-ES) protocolou na quinta-feira (10) um projeto de lei que propõe uma revisão sobre a relação entre o contribuinte – empresas ou consumidores – e a Receita Federal. O texto ganhou o apelido de “Código de Defesa do Contribuinte” e conta com boa aceitação na Câmara dos Deputados.

O objetivo do projeto de lei complementar (PLP) 17/2022 é reduzir as desigualdades na relação entre os pagadores de impostos e o Fisco. A presunção da boa-fé do contribuinte em sua interação com a Receita Federal é até um dos pontos fundamentais da proposta. Baseada nisso, ela estabelece que uma empresa ou um consumidor não pode ser autuado sem antes ser ouvido. Atualmente, as autuações são feitas antes dos depoimentos.

O texto traz como um dos direitos do contribuinte a “não obrigatoriedade de pagamento imediato de qualquer autuação dos órgãos fazendários e o imediato exercício de seu direito de defesa”. Pela proposta, a autuação fiscal depende da análise de sua defesa prévia, que deve ser apresentada em cinco dias a contar da intimação.

Caso o contribuinte não apresente sua defesa prévia no prazo de cinco dias, a proposta prevê o prosseguimento do processo sem interrupção ou suspensão. A proposta estabelece, contudo, que a ausência de uma justificativa não “implica confissão” sobre a discussão no processo.

Quais os principais pilares do “Código de Defesa do Contribuinte”
Coordenador de governo digital e desburocratização da Frente Parlamentar pelo Livre Mercado, Felipe Rigoni destaca que a busca por harmonizar a relação entre pagador e cobrador de impostos é princípio norteador do Código de Defesa do Contribuinte. “Hoje, só existe uma presunção de má-fé [do contribuinte] e, além disso, não tem nenhum tipo de prerrogativa de ampla defesa”, diz Rigoni à Gazeta do Povo.

O deputado trabalhava no PLP 17 desde junho do ano passado. Nos últimos nove meses, ele se reuniu com dezenas de advogados tributaristas, entre eles Vanessa Canado, ex-assessora especial do ministro da Economia, Paulo Guedes. Também consultou técnicos do Ministério da Justiça e Segurança Pública e da equipe econômica.

O código proposto por Rigoni foi inspirado na Tax Payer Bill of Rights, a Declaração de Direitos do Contribuinte dos Estados Unidos. “A relação entre o Fisco e o contribuinte é muito desigual, queremos regular essa relação em que o pagador não tem como se defender, dar direito a defesa prévia, prazos e obrigar que o cobrador tenha justificativa para tudo”, destaca.

O projeto deixa claro que os fiscais da Receita deverão interpretar as leis tributárias em acordo com a lei que rege o tributo alvo de um processo administrativo, e veda o bloqueio, a suspensão ou o cancelamento da inscrição do contribuinte.

O texto também prevê que uma ação penal contra o contribuinte pela prática de crime contra a ordem tributária só poderá ser proposta após o encerramento do processo que comprove a irregularidade fiscal.

“Ou seja, o cobrador de impostos não pode tirar do ‘sovaco’ que vai autuar ou cancelar um CNPJ simplesmente pela cabeça dele, por exemplo. Para cancelar, terá que ter o trânsito em julgado. Vamos impedir o Fisco de operar fora da legislação tributária”, destaca.

A matéria também freia a aplicação de taxas ao prever que as leis que instituem suas cobranças deverão, obrigatoriamente, estar acompanhadas da justificativa. “O código traz um marco legal para esse monte de taxa que as prefeituras começaram a aplicar de uns anos para cá. Propomos que, para ter taxa, tem que ser atividade de fiscalização específica com justificativa e com custo para uma finalidade específica”, diz Rigoni.

Além desses pontos, o PLP também prevê que créditos tributários serão remunerados pela taxa básica de juros (Selic) e cria punições aos servidores da Receita Federal em casos de “abuso de poder”. Também prevê responsabilidade tributária proporcional à participação na situação que gerou o tributo. Ou seja, se o sócio de uma empresa tem apenas 30% de participação e ela deve algum imposto, a Receita poderá cobrar dele apenas sua porcentagem proporcional.

Confira os principais pilares do Código de Defesa do Contribuinte:

  • Marco legal para a instituição de taxas e tributos: um estudo da tarefa administrativa deverá ser obrigatoriamente apresentado pelo Estado para a aplicação de taxa
  • Boa-fé do contribuinte na interação com o Fisco: todo contribuinte terá o direito de se defender antes de sofrer alguma penalidade
  • Autuação do contribuinte com análise da defesa prévia: cancelamento de CNPJ de empresas, por exemplo, ocorrerá somente após o fim de um processo após ouvir todas as partes
  • Proporcionalidade tributária: A responsabilidade tributária de ser inadimplente a um tributo será proporcional à participação na situação que gerou o tributo. Pertencer a um grupo econômico não implica em imediata solidariedade tributária
  • Responsabilidade solidária: A Receita precisará constatar que o primeiro sócio inadimplente de uma empresa que foi cobrado estava na impossibilidade de pagar. Apenas após isso ela poderá cobrar de outro sócio
  • Permissão para questionar: O empreendedor não poderá ser impedido de ganhar benefícios e incentivos fiscais, como participar de licitações e receber linhas de crédito, apenas por questionar um tributo na Justiça ou no Fisco
  • Crédito tributário reajustado pela Selic: O crédito do contribuinte será reajustado pela taxa básica de juros e não pela poupança, tal como impostos não pagos são reajustados pela Selic
  • Responsabilidade funcional do servidor da Fazenda: O servidor da Receita que abusar do pagador de impostos poderá ser punido.

“Código de Defesa do Contribuinte” tem 31 coautores. Mas deve enfrentar resistências
O Código de Defesa do Contribuinte larga com uma boa receptividade na Câmara. O deputado Felipe Rigoni apresentou uma semana antes do Carnaval o texto ao presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e a líderes partidários em uma reunião em que foi convidado a participar. Segundo o autor, o texto agradou.

“Antes de protocolar eu já tinha falado com vários líderes e parlamentares, todos adoraram, tanto que temos vários coautores do projeto justamente por conta dessa conversa ampla”, destaca Rigoni. São 31 coautores, os quais incluem os líderes do Republicanos, Vinicius Carvalho (SP), do Novo, Tiago Mitraud (MG), do Patriota, Fred Costa (MG), do PV, Enrico Misasi (SP), e diferentes vice-líderes.

A reação de Lira também foi positiva, afirma Rigoni. Segundo o parlamentar, o presidente da Câmara afirmou que o projeto é “muito estruturante” e que é “uma linha de desburocratização extremamente importante”. “O código assegura estabilidade jurídica e previsibilidade. Centenas de negócios já fecharam porque deviam R$ 12 mil e o Fisco ainda cancelou a inscrição. Mas como é que paga se não tem mais empresa? É preciso mudar isso”, defende o parlamentar.

Além de articular com Lira, líderes e vice-líderes, Rigoni também apresentou o projeto ao ministro da Economia, Paulo Guedes, e afirma que a reação dele foi positiva. “Falei com ele na mesma semana que apresentei o projeto aos líderes e ao Lira. Agora, estamos marcando outra reunião para apresentar o código integralmente”, diz.

O desejo do autor da proposta é apresentar ainda neste mês um pedido de urgência para que a pauta possa tramitar diretamente no Plenário e ser aprovado. “O momento é propício, todas as empresas sofrem no pós-pandemia e ter mais previsibilidade, saber se foi autuado, se vai ter tempo de defesa, prazo para protocolo para defesa é importante, traz estabilidade e melhora a atividade econômica”, avalia.

O deputado federal Daniel Coelho (Cidadania-PE), presidente da Frente Parlamentar pelo Livre Mercado, defende o projeto e afirma que vai atuar junto para buscar a legalidade ou, ao menos, a igualdade na relação entre o Fisco e o contribuinte. “Há uma relação muito desequilibrada no Brasil, além de uma carga tributária alta”, destaca.

O parlamentar reconhece que existe a possibilidade de o projeto ser alterado ao longo do debate e que, em ano eleitoral, os desafios serão ainda maiores. Entretanto, por se tratar de matéria que tem conexão e apelo com a sociedade, ele acredita na possibilidade de aprovação e afirma que trabalhará para que a bancada liberal e a de seu partido atuem a favor do melhor texto possível.

“A proposta inicial, pela lógica de tramitação, nunca chega igual ao Plenário, e claro que é sempre um desafio aprovar qualquer matéria [em um ano eleitoral], mas por ser uma pauta extremamente positiva cria-se uma oportunidade muito boa à Câmara. Em nome da Frente pelo Livre Mercado, digo que a iniciativa é louvável e vai contar com todo o apoio da frente e a bancada do Cidadania”, sustenta Coelho.

O deputado Jerônimo Goergen (PP-RS), que relatou a medida provisória (MP) que deu origem à Lei da Liberdade Econômica, elogia o projeto, mas é menos confiante quanto à possibilidade de aprovação da matéria, dado o atual cenário eleitoral. Para ele, a matéria pode ter chances de aprovação se a grande maioria da Câmara entender que pode gerar bônus políticos ao Congresso.

“Só se for interpretado como uma pauta muito positiva e que possa render para o Congresso como um todo. Por mais positivo que seja, eu acho bem difícil esse projeto andar a ponto de virar lei. Não estou dizendo que não possa avançar e andar na Câmara, mas sinceramente não vejo isso como uma prioridade da Casa”, lamenta.

O deputado, que é coordenador de relações institucionais da Frente Parlamentar pelo Livre Mercado, entende que a Câmara não tem mais um perfil de disposição para discutir pautas liberais, sobretudo às vésperas das eleições. “É um projeto que vai esbarrar na questão do Estado”, comenta, em referência à resistência que o texto pode enfrentar dos servidores da Receita Federal.

“Eu não tenho dúvida que o Estado tem uma relação míope de desconfiança com o contribuinte e que isso precisa mudar. O Estado está aí para sugar o cidadão que o mantém. O Estado obriga o contribuinte a ser um sonegador porque tudo o que ele paga, além de ser caro, não dá retorno em serviços prestados. E digo que, antes de qualquer projeto, por melhor que seja, precisávamos de uma reforma tributária, mas a nossa Câmara já foi reformista”, reforça Goergen.

Especialista faz boa avaliação da proposta da Câmara
O contador e consultor Luiz Fernando Nóbrega, sócio-diretor da consultoria LN Compliance and Education, faz boa avaliação do projeto de lei. Como consultor, ele tem atuação na área de perícia contábil e afirma que há, de fato, uma premissas da culpabilidade muito presente por parte do Fisco.

Por pressões da Receita, o especialista acredita que o projeto vai enfrentar dificuldades em sua tramitação na Câmara. “Esse tipo de projeto sempre causa um tipo de temor e por trazer certas travas vai enfrentar resistências”, diz. Nóbrega reconhece que o projeto confere mais manobras para o mau contribuinte driblar a Receita, mas ele defende uma outra visão acerca do debate.

“É uma discussão que temos que parar de ter, de partir que todos irão usar da brecha ilegalmente. Vamos tentar usar o certo e que o Fisco tenha controles para reprimir [possíveis manobras]”, pondera. “É um projeto bem interessante e válido”, complementa.

Ex-presidente do Conselho Regional de Contabilidade de São Paulo (CRC-SP) e ex-vice-presidente de Ética e Disciplina do Conselho Federal de Contabilidade (CFC), Nóbrega diz que o texto traz alguns pontos interessantes, a exemplo do prazo máximo de 60 dias para o Fisco reter livros, mercadorias e bens apreendidos dos contribuintes no caso de uma fiscalização.

“Isso é positivo porque, muitas vezes, chegam e bloqueiam, levam até o servidor e víamos muito isso no escritório de contabilidade. Era um problema e essa retenção com tempo limite é bem importante”, elogia. Outro ponto destacado por ele é o da proporcionalidade tributária. “Quando se trata de grupos econômicos, muitas vezes se jogava no balaio pessoas que entendiam fazer parte de um grupo, envolvia sócios, envolvendo sócios, era uma cadeia interminável”, diz.

Fonte: Gazeta do Povo






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